quinta-feira, 5 de novembro de 2009

... ABRE AS ASAS SOBRE NOS

... ABRE AS ASAS SOBRE NÓS...
Ana Hertz
Outubro de 2009.

Henry Brown, escravo na Virgínia, mesmo não tendo sofrido qualquer violência física, não queria continuar escravo. Dizia que, mesmo sob condições consideradas ótimas, a escravidão era insuportável. Quando sua mulher e filhos foram vendidos para uma fazenda em outra cidade, decidiu que havia chegado a hora. Construiu uma caixa relativamente pequena, com dois furos para que o ar entrasse, trancou-se lá dentro com uma garrafa de água, uns biscoitos e foi “despachado” por trem para a casa dos amigos que tinha na Filadélfia, onde reinava um clima diferenciado de liberdade. Logo que chegou ao destino na tal caixa, virou Henry “Box” Brown, nome com que ficou conhecido para todo o sempre. Do mesmo jeito que, nas nossas terras ao sul do Equador, um famoso apelido também se incorporou ao nome real – Luiz Inácio “Lula” da Silva.
Box Brown, então, passou a ser um dos maiores divulgadores das idéias abolicionistas, levando a discussão para o resto do país; isso causou ao pobre homem grandes problemas, como acontece com todos aqueles que se insurgem contra o “status quo”. Para não ser devolvido ao dono, precisou fugir para a Inglaterra, de onde somente conseguiu voltar muitos anos depois para, finalmente, viver o resto da vida como homem livre.
Aprendi sobre Henry Box Brown através dos contadores de histórias da Filadélfia. Das 11 às 5 da tarde, em onze diferentes bancos de praças do Distrito Histórico, eles contam, para os que ali aparecem, diferentes histórias daquele tempo em que o país lutava para ser livre. Fiquei fascinada com o que ouvi desses contadores, alguns atores de teatro, outros professores, todos animadíssimos. Não falam dos figurões, que todos conhecem, e sim das “figurinhas”, daqueles seres humanos até então desconhecidos, mas que se tornaram lendas por seus feitos ou seus ideais de liberdade.
Outros que me impressionaram foram os “rangers”, aqueles que orientam os visitantes nos monumentos e principais pontos da cidade. São todos muito bem informados, e não apenas em relação à história americana. Conversei com um deles, a quem perguntei a razão de não haver folhetos explicativos em Português, pois havia encontrado em inúmeras línguas, até em polonês.... Explicou que talvez estivessem esgotados, mas que havia, sim. E começou a conversar sobre as grandes navegações portuguesas, sobre as colônias lusas na África, nossos “pagamentos” em recursos naturais que iam direto para a Inglaterra, e sobre as colônias espanholas mandando a prata do Novo Mundo direto para os banqueiros internacionais... Foi bom saber que há, em outros pontos do mundo, quem saiba um pouco mais sobre o Brasil. Não tem mais tanta gente achando que nossa capital é Buenos Aires e que falamos espanhol.
Outro relato que me chamou atenção foi sobre uma escrava da esposa de George Washington, figura histórica que me surpreendeu negativamente. Tinha escravos! Queria a independência americana, tinha ideais de liberdade, mas não abria mão de sua condição de dono de seres humanos. Enfim, a escrava particular de Martha Washington, Oney Judge, uma noite, enquanto o casal jantava, aproveitou para ir embora e nunca foi recapturada. Ficou famosa por ter ousado fugir da casa do Presidente dos Estados Unidos e afirmou, anos depois, que sempre foi muito bem tratada, mas que não queria ser eternamente propriedade de alguém!. Achei o máximo! Em seu testamento, Washington registrou que todos os 250 escravos da família somente deveriam ser libertados após a morte de sua esposa. Ou seja, enquanto viveram, aproveitaram-se bastante dos pobres coitados.
Um ponto turístico muito famoso da cidade é a Elfreth’s Alley, a mais antiga rua dos Estados Unidos ainda existente, onde residiam artesãos e artífices das mais diversas origens no início do século XVIII. O lugar é lindo, com casas coladinhas umas na outras, de um charme só! Trinta e duas, construídas entre 1702 e 1836, ainda estão muito bem preservadas. Cada uma vale a bagatela de um milhão de dólares, mesmo sendo mínima!
Desde o começo de sua história, a comunidade da Filadélfia estabeleceu uma grande liberdade religiosa; não foi à toa que, nessa cidade predominantemente protestante, foi rezada a primeira missa pública da religião católica, isso em 1730. William Penn, seu fundador, havia sido perseguido por ser um quaker e não queria que, em sua colônia, isso acontecesse com quem quer que fosse. Ali conviviam judeus, católicos, quakers, protestantes e outras minorias que se uniram em congregações, algumas delas existindo até hoje, sempre procurando manter uma melhor relação entre as diferentes crenças. Se todos pensassem assim... Para divertir um pouco, vale dar essa nota - vi um padre, devidamente paramentado, deixar o pátio da igreja num belíssimo conversível vermelho! Que inveja! Como diria minha avó, sinal dos tempos.
Na verdade, poderia escrever sobre um milhão de coisas que vi e aprendi nessa viagem à Filadélfia, mas acho que falar no presídio que visitei, assunto que tem a ver com liberdade, e em Benjamin Franklin, esse extraordinário personagem da história americana, já vai ser o suficiente para um longo texto.
De 1829 a 1971, quando fechou suas portas, a Eastern State Penitentiary foi assunto bastante controverso. Seu projeto arquitetônico foi copiado por cerca de 300 prisões mundo afora, inclusive aqui no Brasil. A teoria correcional era manter o prisioneiro confinado e trabalhando o tempo todo, afastando-o de ambientes “favoráveis” ao crime. Isolado, poderia arrepender-se e penitenciar-se (daí o novo nome para as prisões – penitenciária). O sistema era tão rígido que usavam máscaras nos prisioneiros para que não se comunicassem nem mesmo com os guardas!
Charles Dickens, quando esteve nos Estados Unidos, visitou o complexo e ficou chocado. Considerou o processo adotado de extrema crueldade e baseado em princípios totalmente equivocados. Al Capone esteve encarcerado por lá e outro famoso prisioneiro foi um gato! Como o bichano havia matado o cachorrinho da esposa do Governador, foi “sentenciado” e recebeu um número, como qualquer outro criminoso. Existe uma versão mais aceitável para essa história tão maluca. O Governador pensou em animar os prisioneiros e mandou o animal para que fizesse um pouco de companhia a eles. Como não podia mostrar qualquer sinal de abrandamento nas regras, inventou a história do “gato assassino de cachorros”.
Benjamin Franklin, minha paixão platônica por tantos anos, era escritor, filósofo, cientista, inventor, diplomata, dentre outras tantas coisas. Preocupado com os diversos problemas da comunidade, organizou o primeiro grupo de bombeiros voluntários nas colônias, bem como a primeira companhia de seguros contra incêndios. Inventou o pára-raios, as lentes bifocais e mais uma lista enorme de coisas. Filosofava de maneira bem popular, e com isso tornou-se famoso. Um de seus dizeres que gosto muito diz que a gente deve ficar com os olhos muito bem abertos antes do casamento, mas que, depois da celebração, deve mantê-los meio fechados! Nunca vi conselho mais sábio!
Continuo sem saber do que gostei mais. Foram dias interessantíssimos, de grandes descobertas, de alegria em ver como a liberdade vem conquistando o mundo. Quando ouvia uma história, qualquer que fosse, abstraía-me da nacionalidade, da condição social, da cor e do sexo daquele personagem e absorvia um pouco do eterno desejo de ser livre que o ser humano traz dentro de si desde o início dos tempos.
Por outro lado, se alguém imagina que foi fácil para aquela nova nação libertar-se do jugo inglês, está redondamente enganado. A luta continuou por vários anos. Dos 56 que assinaram a Declaração da Independência americana, muitos foram torturados até a morte como traidores, e outros tantos morreram lutando para preservar os ideais de liberdade. A grande maioria, oriunda de famílias ricas, perdeu toda a fortuna, e não poucos viram suas famílias dispersadas... mas não desistiram. Valia a pena continuar.
O Liberty Bell exibe sua fenda, uma ferida exposta, como se o cobre no qual foi forjado soubesse que não poderia ser inteiro porque ainda está longe o tempo em que todos os homens serão livres, donos de seu próprio destino. Ficou mudo, como a nos lembrar do longo caminho a percorrer e do preço, por vezes muito alto, que se paga pela liberdade.
Eu dizia, em alto e bom som, que Benjamin Franklin era meu amor platônico. Passados mais de 40 anos, descobri que não era amor platônico coisa nenhuma. Foi bom ter ido até a Filadélfia e poder estar mais “perto” dele, embora com quase 300 anos nos separando. Aprendi muito sobre suas idéias, obras, seu imenso desejo de fazer melhor o mundo em que vivia, saboreando com tranquilidade sua presença tão marcante em toda a história daquele país. Agora, possa afirmar que me sinto mais confortável e que já me libertei. Era apenas uma admiração enorme... Queria era ter sido sua secretária particular, aquela que o ouviria enquanto pensasse alto, aquela que, talvez, passasse a limpo seus rascunhos...
E sobre o amor platônico, cantado por poetas desde o início dos tempos, acabei aprendendo muito. Pelo que descobri, esse é o mais incompreendido conceito de Platão. Todos acham que é apenas o amor assexuado, acético, daquele em que as pessoas não ficam próximas fisicamente. Mas não significa isso, não, trazendo algo muito mais profundo do que essa idéia simplificada. Sendo por demais complexa, sua discussão exigiria tantas laudas que ninguém agüentaria. Assim, vamos fingir que é esse popularmente conhecido e falar um pouco desse amor à “distância”.
Eu não faço muita fé nele. A paixão e o amor precisam do encantamento que o outro desperta na gente, mas não apenas através da idéia, não apenas através dos desejos “inspirados”. Precisamos, também, do tato, do cheiro, da presença real do outro, para que seja possível essa troca que nos faz mais humanos.
Roberto Freire diz que anda solta por aí a ideologia do sacrifício, e que acabamos acreditando que amar significa perder substancialmente a liberdade. E que o amor platônico, esse sim, aprisiona, pois é incompleto... Eu fico pensando cá com meus botões... a liberdade não é o outro quem tira da gente. Acabamos sendo nossos verdadeiros carcereiros, agrilhoando-nos ao sentimento amoroso mesmo quando não nos é pedido isso. Ficamos presos a uma idéia e não conseguimos nos libertar do que não tem concretude. E, voltando ao livro “Ame e dê vexame”, Freire afirma que o verdadeiro amor liberta. Diz: ”Porque te amo, tu não precisas de mim. Porque tu me amas, eu não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários. E eu brinco, dando um palpite para acrescentar – E, sendo desnecessários, seremos livres!
Pensando bem... Será mesmo? Para evitar maiores riscos, melhor orar aos céus, de maneira bem abrangente - Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

LIBERDADE, LIBERDADE...

LIBERDADE, LIBERDADE...
Ana Hertz
Setembro, 2009

Perceber-se curado de um amor platônico, daqueles completamente impossíveis, proporciona uma das melhores sensações de liberdade que alguém pode saborear. E lá fui eu até a Filadélfia para, além de conhecer mais um lugar, tentar livrar-me da paixão dessa espécie que sinto desde os 17 anos. Um tempo longo demais. Benjamin Franklin não deve nunca ter imaginado que ficaria gravado para sempre na minha memória poética.
Como queria vasculhar o passado, sobretudo a segunda metade do século XVIII, escolhi a dedo o hotel. Estar no Historic District da cidade considerada o berço da América desde bem cedo a cada dia foi uma bela idéia. Caminhava seus vários quilômetros quadrados sem sentir qualquer desconforto, embriagada pelo que podia descobrir a cada esquina. Meu joelho e meu pé foram cúmplices maravilhosos, deixando para trás as fraturas sofridas.
Informações históricas e dados precisos não eram meu objetivo maior, pois, sem dúvida, no Google eu poderia obter o que quisesse. Queria mais. Gostaria de poder sentir com mais intensidade esse sentimento que move o ser humano na busca pela liberdade, essa busca que o faz ultrapassar seus próprios limites, arriscando-se a cada passo do caminho, sonhando com aquilo que ele nunca teve... ou havia perdido... e a Filadélfia me oferecia essa oportunidade.
Além de sua arquitetura, seus moradores se orgulham dela por quase tudo, também chamada de cidade do amor fraternal. Uma das mais famosas esculturas que estão la é a que traz a palavra “LOVE” em metal vermelho. Nenhum turista que se preze deixa de posar para uma foto mostrando a obra e eu me incluo na lista. E explicar o nome adotado fica muito fácil - vem do grego Philos, que quer dizer amor, amizade, e adelphos, que significa irmão.
Uma das coisas que mais me encantou foi saber que há uma lei municipal determinando que 1% do orçamento das construções seja aplicado em algum projeto cultural de interesse público. Sonho de consumo de todos aqueles que gostam de arte! Pena que, no Brasil, ainda estejamos precisando de muitos “por centos” para a saúde, educação, saneamento básico... Vai levar um tempo antes que alguma coisa parecida venha favorecer a cultura. E sabemos que a única saída do ser humano passa pela arte.
Com prédios imponentes, a cidade exibe, com orgulho, o resultado de um cuidadoso projeto urbanístico. O primeiro idealizador? William Penn, no final do século XVII. Simplesmente inacreditável o fato de que esse homem tenha se preocupado, no século XVII, com os séculos que viriam depois. Hoje em dia, poucos administradores vão além do dia seguinte... Suas praças foram construídas para separar os diferentes quarteirões, dificultando, assim, a propagação dos incêndios que destruíam, num piscar de olhos, uma cidade inteira, como acabou acontecendo com Chicago duzentos anos depois. A Filadélfia é considerada a melhor representante da história da arquitetura americana, e isso é mais um dos numerosos motivos para que seus habitantes se orgulhem dela.
Como em qualquer grande cidade, porém, sempre aparecem problemas que devem ser resolvidos de forma definitiva. Foi elaborado, em 1984, um projeto sensacional para resolver o problema dos graffitis que, de forma desordenada, poluíam visualmente aquele belo espaço. Seus idealizadores foram brilhantes. Em vez de proibir, pois tem mais sabor tudo aquilo que não nos é permitido, trataram de canalizar a energia criativa dos grafiteiros para a construção de murais. E a organização sem fins lucrativos, que conta com a participação da iniciativa privada, já produziu cerca de dois mil e oitocentos murais. Se mais não fosse, proporcionou a mais de vinte mil jovens carentes a oportunidade de trabalhar com arte! E sempre melhor redirecionar do que proibir. Caetano dizia que é proibido proibir e, nesse caso, provou-se que foi perfeito.
Mudando um pouco de assunto - o que é melhor? A ficção ou a realidade? Bem, a discussão já dura séculos, literalmente. No caso da Filadélfia, acho que o mundo real pode ser bem mais interessante do que a ficção. Pude ver inúmeras esculturas, a maioria belíssima, e por isso é quase impossível apontar apenas uma como preferida. A dificuldade não se prende apenas no aspecto artístico da peça, mas também quem ela está representando.
Posei ao lado da estátua do Benjamim Franklin, que já revelei ser minha paixão há tantos anos, e eternizei o momento tirando um retrato. Uso a palavra “retrato”, antiquada, para dizer o quanto voltei no tempo. No entanto, recusei-me a fazer o mesmo com a de Stallone, ou melhor, de Rocky, um Lutador, ou Rocky Balboa, sei lá. Tirei de longe uma foto, para levar para meu neto Igor, sem deixar que minha imagem fosse capturada ao lado. Acreditem se quiser - fica nos jardins do Museu de Arte da Filadélphia!
O mais grave de tudo isso, porém, reside no fato de que essa estátua já foi “personagem” de vários filmes, um da estatura de “Philadelphia”, com Tom Hanks. Enquanto isso, O Pensador, de Rodin, não deve ter tido tanta sorte. E o que é da maior ironia - o Conselho Diretor do Museu, depois de anos a fio resistindo a que Rocky ficasse em seus jardins, agora aprova que suas réplicas sejam vendidas na sua lojinha! Sempre tem alguma coisa que atrapalha...
Nesse mesmo Museu de Arte, tirei uma foto que, devo confessar, deixa-me emocionada só de pensar. Meu pai estudou na Filadélfia, em 1941, fazendo um curso de especialização em Odontologia. Quando eu decidi ir lá, minha irmã enviou uma foto dele na escadaria que leva à entrada principal do prédio. Atrás, eu via um prédio alto, um cruzamento de avenidas com um chafariz no meio, frondosas árvores... Não pude resistir e postei-me no mesmo lugar, esperando passar alguém a quem pudesse pedir que registrasse aquele momento. Logo, logo passou um japonês com uma câmera daquelas de fazer inveja a Sebastião Salgado e eu, na maior sem-cerimônia, pedi-lhe que fotografasse com minha humilde camerazinha. Imagino que quase teve um infarto ao verificar a qualidade de meu equipamento... mas não se deu por achado e clicou.
Vi as diferenças que o progresso trouxe, mas não houve mudança significativa. O prédio mais alto parece um nanico se comparado às novas construções, as copas das árvores escondem muita coisa... mas o chafariz continua onde sempre esteve. E foi com a mais profunda emoção que pude “estar” naquele belíssimo museu americano com meu pai, a quem perdi há mais de quarenta anos. Os sessenta e oito anos que se passaram desde que ele esteve passeando naquelas galerias não conseguiram atrapalhar nosso passeio. Um momento do passado que se fez presente.
Falei, falei, mas ainda não consegui conversar sobre a liberdade. O drama é que a Filadélfia tem muita coisa interessante para ser comentada, e acho melhor que essa conversa tenha um capítulo de continuação. Um é pouco, dois é bom, mas três seria demais!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

CHICAGO, CHICAGO

CHICAGO, CHICAGO
Ana Hertz
Maio de 2009

Conhecia Chicago através dos incontáveis filmes que vi sobre a “cidade sem lei”, como ficou conhecida durante a Lei Seca. E de Nova York emendamos, eu e Bianca, direto para lá.
Deve ser o frio que assusta os turistas brasileiros, pois não se ouve muito o Português por aquelas freguesias. Em 1982, chegou a fazer 33 graus negativos. Basta deixar para ir em maio, junho, quando o clima é bem ameno... vale realmente a pena!
Somente perto do século XIX veio o primeiro forasteiro para estabelecer-se na área povoada pelos índios. Jean-Baptiste DuSable, mestiço com pai francês e mãe de origem africana, estabeleceu o primeiro posto comercial na região, tornando-se o “pai de Chicago”. Li que Illinois foi o primeiro estado americano a assinar a abolição da escravatura, honrando, por certo, as origens de Chicago.
A cidade se desenvolveu rapidamente, o que atraía novos moradores o tempo todo, na eterna busca pelo sucesso... até que uma vaca interrompeu o processo. Com um coice, derrubou a lâmpada a óleo que iluminava o celeiro onde estava, e o fogo espalhou-se com uma rapidez e força incontroláveis. E a próspera cidade, em poucas horas, resumia-se a 6 edificações. Todo o resto havia sido destruído, noventa mil pessoas não tinham mais nada, e trezentas estavam mortas.
Na verdade, ninguém sabe se foi a vaca mesmo, ou se foi seu “acusador” quem causou o desastre. Daniel Sullivan era um bêbado conhecido, e foi ele a “testemunha” da estranha história do coice. Como sabemos que não importa o fato, o que vale é a versão, a tal vaquinha teve muito mais do que 15 minutos de glória. Ficou para a história como a causadora do grande incêndio de Chicago em 1871, e seus donos, os “O’Leary”, também tiveram sua fatia da fama.
Honrando um de seus mais famosos apelidos, Chicago, a “Big Shoulders” City, já estava, em 1875, praticamente nova de novo, sem sinais da destruição que sofrera. E em 1893, com todo o orgulho abriu suas portas para uma exposição internacional em homenagem aos 400 anos da chegada de Colombo ao Novo Mundo. Um pedaço de terra pantanosa foi transformada na “White City”, com prédios, estátuas e fontes. Por seis meses, atraiu mais de vinte e sete milhões de visitantes, o que foi um sucesso, já que, na época, a população americana era de cinquenta e poucos milhões.
Chicago teve um grande desenvolvimento também graças à malha ferroviária construída a partir dali. Não sei se o guia exagerou, mas disse que todos os trens que transitam pelos Estados Unidos devem, obrigatoriamente, passar por Chicago. Achei o rapaz meio “bairrista”, mas não consegui conferir a informação.
Outra coisa interessante que descobri - chegam a 64 os agraciados com o Prêmio Nobel que cursaram a Universidade de Chicago. Lembro-me, quando estive na Alemanha, que a Universidade de Humbolt tem 32 laureados. Isso mostra como Chicago está na frente! Tenho certeza de que a maioria de nós não conhece nem um centésimo desses premiados, mas sei que um dos mais famosos moradores de Chicago desperta, até hoje, um estranho fascínio em muita gente. Al Capone é considerado o mais famoso gangster americano de todos os tempos e o grande símbolo da podridão que imperava por ali durante os anos vinte. Por que o ser humano se sente atraído pelo desviante? Os gênios são desconhecidos e ele ganhou a “imortalidade”.
Scarface, como também era conhecido, havia feito tanta confusão em Nova York, onde morava, que seu chefe o mandou para Chicago esperar que as coisas voltassem aos seus lugares. Nova York, sem dúvida, recuperou-se, enquanto Chicago... Como se bem sabe, os prefeitos, policiais, políticos, estavam todos ligados a ele.
Vimos um dos prédios onde manteve, durante anos, seu quartel-general. Imponente, representava perfeitamente a arquitetura dos anos 20, quando Chicago explodiu com construções belíssimas. O que foi produzido naquele período, com inovações estéticas e tecnológicas, ganhou o nome de Escola de Chicago. Com a utilização do aço na estrutura das construções, surgiram os arranha-céus que são, a cada dia, mais altos. Mesmo eu, analfabeta em arquitetura, fiquei simplesmente extasiada com o que vi.
Bianca tinha ouvido falar num restaurante instalado no nonagésimo-quinto andar de uns dos prédios mais altos de Chicago, a John Hancock Tower. E fomos experimentar “The Signature Room on the 95th”. A noite estava clara, sem uma nuvem sequer, e ver as luzes da cidade a perder de vista foi, sem dúvida, fantástico. Adoro ver as coisas de um plano mais elevado, o que não significa complexo de superioridade ou algo parecido. Resume-se à preferência pela possibilidade de ver a paisagem de uma forma mais completa.
Voltando ao restaurante. Comi, pela primeira vez, um peixe chamado halibut, e o prato se chama Roasted Alaskan Halibut . Foi no Google que descobri que é da família do nosso linguado, mas em tamanho gigante. Vive nas águas do Pacífico e pode beirar os duzentos quilos. Não foi uma escolha, pois não tinha a menor idéia no que resultaria meu pedido, mas acertei em cheio. Bianca escolheu um prato com quinoa, mas não foi o jantar de seus sonhos.
Mais um famoso de Chicago - Barack Obama, o primeiro afro-americano a ser eleito presidente. O detalhe é que não nasceu na cidade, e sim no Havaí, mas foi para a “windy city” após concluir o curso em Harvard. Professor de Direito na famosa Universidade, virou “filho de Chicago”, pois foi onde iniciou sua carreira política..
Ficamos maravilhadas com o Millenium Park. Inaugurado em 2004, abriga o mais sofisticado teatro ao ar livre dos Estados Unidos, que realmente impressiona pelo design. E a escultura de forma elíptica que vimos num dos recantos do parque, por sorte inaugurada dias antes, é extraordinária. “The Bean”, do artista inglês Anish Kapoor, foi construído com placas de aço altamente polido, transformando-se em um verdadeiro espelho que reflete o céu, as nuvens, os arranha-céus e os visitantes, que podem tocar a peça, olhar-se, fotografar-se (como fizemos); enfim, uma escultura viva que, a cada centímetro para cima, ou para o lado, a cada minuto, mostra um mundo um pouco diferente. A nuvem passou, veio outra mais branquinha, o homem que olha, admirado, já se vai, dando lugar a criança que brinca com a própria imagem... Como diziam Lulu Santos e Nelson Motta – “...tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo”. Bastante interessante.
Dentre alguns fatos sobre a cidade, achei interessante mencionar que o Chicago River corre para trás! Por motivos de saúde pública, em 1900 foi construído um canal que possibilitou a proeza, e a cidade tem, por certo, um rio sem poluição. O Michigan Lake, muito bonito, é o maior lago do mundo que se localiza num único país. Por outro lado, vale ressaltar - o primeiro restaurante Mcdonald’s foi montado aqui, e poderíamos ter ficado sem isso. A primeira reação nuclear em cadeia foi produzida na Universidade de Chicago. Uma tragédia para a humanidade.
Chicago tem mais de 40 museus, 150 teatros e mais de 600 restaurantes. E foi num deles, Petterino’s, que eu, mesmo não sendo Terezinha de Jesus, de uma queda fui ao chão. O lugar é ótimo, bem no distrito dos teatros, a comida, o vinho e o serviço bem bons... eu recomendo! Mas o chão estava super escorregadio. Resumindo a ópera – dei um mal jeito naquele joelho que quebrei há dois anos, e acabei precisando de joelheira e fisioterapia por 40 dias. Não fiquei presa por causa disso, mas realmente perdi um pouco a mobilidade nos primeiros dez dias. Para minha agradável surpresa, o seguro do restaurante pagou tudo! Nem foi preciso ir atrás deles. No dia seguinte ao tombo, ligaram-me da Seguradora e ficou tudo resolvido. Minhas despesas com RX, joelheira e taxi foram reembolsadas através de um cheque, e o fisioterapeuta recebeu diretamente o pagamento pelas sessões. Inacreditável!
Não teríamos gostado tanto de Chicago se não tivéssemos Renato Gomes como anfitrião. Renato, filho de Ângela Dias, amiga querida, é um jovem economista de extensa cultura e profundo bom gosto. Falta pouco para concluir seu doutorado, e sabe bem onde ir para aproveitar melhor a cidade.
Levou-nos ao Demera, na 4801 N Broadway Street, um fantástico restaurante etíope. Nunca tida me aventurado por essa cozinha e, simplesmente, adorei. Para comer o “combinado” que ele sugeriu, com muitos vegetais e carne, conhecendo vários pratos diferentes ao mesmo tempo, não usamos talheres, e sim a “injera”, um pão bem fino, circular, tradicional para acompanhar a comida. Uma festa de Babbete! Depois, foi só atravessar a rua para aterrissar na melhor opção para ouvir jazz. Recomendo os dois lugares.
Green Mill é um jazz club tradicional, sofisticado ao mesmo tempo que informal, atmosfera dos anos quarenta, e que preserva o cuidado com a melhor música. Capone era frequentador assíduo e sentava-se na mesa central, de onde podia observar as portas da frente e de trás. Em caso de emergência, corria para o balcão das bebidas, onde havia a entrada do túnel secreto que o levaria para fora da zona de perigo. Esperto o rapaz.
E foi capengando que deixei Chicago, apelidada de “windy city” porque o vento marca presença. E, nos corredores do aeroporto, vi que se candidatou a sediar as Olimpíadas em 2016. Vai disputar com Tókio, Madri e Rio de Janeiro. Pelo que ouvi dizer, a mais cotada é Tókio, depois vem Madri, mais abaixo está Chicago e, lanterninha do grupo, a nossa cidade maravilhosa. Enfim, gosto é gosto, ninguém discute. Apenas lamenta. E todas elas são bastante interessantes. Como não conheço Tókio, de repente tenho uma bela razão para ir até lá.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

NEW YORK, NEW YORK, I AM LEAVING TODAY

NEW YORK, NEW YORK, I AM LEAVING TODAY!
Ana Hertz
Maio de 2009

Visitei Nova York muitas vezes e espero voltar ainda outras tantas. É, sem dúvida, interessantíssima. Não é possível comparar com Paris, Londres, Roma, Rio de Janeiro ou qualquer outra cidade, grande ou pequena, famosa ou não, pois cada lugar tem milhões de coisas que nenhum outro tem. Não se excluem, e o melhor é conhecer tudo!
Em qualquer festa, ao se ouvir o primeiro acorde de “New York, New York”, canção imortalizada por Sinatra e lindamente interpretada por Lisa Minelli, todo mundo sai dançando. São três ou quatro notas inconfundíveis, e devo dizer que, mal ouço, também vou logo para o meio do salão. O fascínio pela música equipara-se ao que quase todo mundo sente pela cidade. Na letra, temos que Nova York nunca dorme. Fiquei, agora, em um hotel bem em Times Square e é isso mesmo. Já quase de manhã e ainda se vê gente com cara de que vai emendar. Ouvem-se um sem número de línguas, os traços raciais são os mais variados, alguns parecem saídos de outra fauna; enfim, a diversidade impera, mas não menos que o entusiasmo.
Em viagens de férias, ficou ainda mais distante da televisão. Tenho muito mais o que fazer. Uma vez por dia, entretanto, gosto de dar uma olhada nas notícias, para não ficar completamente alienada. Numa dessas vezes, vi na CNN Headlines que astronautas americanos estavam fazendo reparos no telescópio espacial Hubble, e era possível acompanhar ao vivo os procedimentos. Fascinante ver quanto o homem conseguiu evoluir, desde Eratóstenes, aquele grego que já sabia que a Terra era redonda e que tinha uma circunferência de cerca de 40.000 quilômetros mais de duzentos anos antes de Cristo. Errou apenas por 500 quilômetros! Quando penso nisso, tenho certeza de que meu Q.I equipara-se ao de uma ameba burra.
Voltando ao telescópio, parece que estava novamente precisando de uma “cirurgia para corrigir a miopia”. E os cientistas deram conta disso. Encantada, via o astronauta dando voltas no espaço, com uma coragem que eu jamais teria, quando o noticiário “aterrissou” em Ohio, numa reunião que parecia o conselho de uma das cidades daquele estado americano... Os conselheiros discutiam se uma jovem, loura e bonita, poderia continuar na frente de uma churrascaria, atraindo a clientela apenas com um biquíni, sendo que, na parte de baixo, ela usava um shortinho jeans. Preciso esclarecer – a “jovem” era simplesmente um manequim de plástico, tamanho natural.
Sei que, hoje em dia, muitos seios que andam passeando por aí também não são verdadeiros, são de silicone, e nem por isso podem ficar muito “à vontade”. Mas preocupar-se com os peitinhos semi-escondidos de um manequim de plástico e, por causa disso, ser convocada uma reunião do conselho da cidade, enquanto o mundo explode com uma crise econômica sem precedentes, e o homem caminha no espaço sideral é, por certo, inconcebível. Mas estava lá, num dos principais canais de televisão, para todo mundo ver. E os responsáveis pelo destino daquela cidade situada num dos principais pólos industriais do país, ciosos de sua responsabilidade em preservar a moral e os bons costumes, votaram pela exigência de que a “mocinha” se vestisse dentro dos conformes, usando, no lugar do biquíni, uma camiseta. E não se fala mais nisso.
Como o tempo estava maravilhoso, e para esquecer o biquíni, fui com minha amiga Bianca passear no Central Park. A natureza naqueles mais de 800 acres, em plena primavera, mostrava-se muito bonita, sobretudo porque jamais comparo o que vejo pelo mundo afora com o que temos no Brasil, ou em outro lugar. Delicio-me com o que está ali sem estabelecer qualquer relação. Ele fica ali porque o terreno pantanoso e cheio de formações rochosas era completamente impróprio para projetos privados, e construir arranha-céus naquela área seria complicadíssimo e muito caro. Virou o primeiro parque público americano. Uma boa troca.
Sentamos num banco e ficamos observando os passantes, absorvendo aqueles momentos relaxantes. Passou por nós, então, um senhor bastante idoso, numa cadeira de rodas empurrada por uma cuidadora. O homem ia de cabeça baixa e olhava a própria mão. Seu olhar, parado como se sem vida estivesse, parecia que tinha ficado preso no passado... ou, quem sabe, mostrava-se vazio porque sofria com a ausência de futuro. A cena tocou-nos de forma indelével. Ainda pensativas, vimos sentar-se no banco ao lado um homem ainda jovem, que devia andar lá pelos quarenta. Sua tristeza transbordava pelos olhos que fixavam o nada, quem sabe pensando no emprego que acabara de perder, ou a crise que o derrotava naquele momento era apenas sua, de mais ninguém. Agarrava-se ao filho pequeno que tinha ao colo como se temesse perdê-lo, como se aquela fosse a última vez que poderia tê-lo nos braços. Foram momentos que nos trouxeram de volta à terra.
Porém, a Ilha da Fantasia, como chamo todo e qualquer destino que escolho para passar alguns dias de férias, voltou a impor-se como um ditador que comanda um exército invencível. Desviamos o pensamento daqueles dois homens e fomos ver STOMP. Simplesmente, notável. Apresentando-se em teatros, na verdade não pode ser classificado como uma peça, um musical ou uma ópera. Por isso, alguns se recusam até mesmo a considerar o show como teatro, alegando que não apresenta as características tradicionais dessa arte. Não há enredo, diálogos, ou falas. Por outro lado, tem mímica e caracterização. Cada personagem apresenta uma personalidade diferente, que se revela, escandaradamente, pela mímica e pela dança. Por isso, devemos considerá-lo, sim, teatro.
Barulho, tira-se de qualquer coisa. Música, não. Até, agora, eu pensava assim e tinha certeza de que, para executar melodias, precisamos dos instrumentos musicais adequados. Estava completamente enganada e, por isso, STOMP é surpreendente. Aquele grupo tira música de vassouras que, aparentemente, estão apenas varrendo o chão, e pessoas lendo o jornal nos fazem querer dançar. E quando brincam em abrir e fechar isqueiros? Quem ainda não viu, não sabe o que está perdendo.
Adorei passear no SOHO, o famoso cast-iron historic distric, e fiquei me lembrando de que o aluguel já foi super acessível, tanto que muitos artistas se mudaram para lá por causa disso. Hoje, impossível para eles. Quem está lá agora? Griffes como Armani, Prada, Mark Jacobs... um luxo de lojas, num contraste fortíssimo com algumas edificações ainda não recuperadas e que denunciam a decadência que se viu anos atrás. Aproveitamos para almoçar no conhecido Fanelli’s Café, que é uma delícia com seu ambiente acolhedor, do século XIX, com fotos nas paredes de várias gerações de boxeadores americanos, que faziam dali um ponto de encontro. No bar, por certo, só homens... mulheres eram permitidas apenas no salão cuja placa ainda se vê: Ladies and Gents Room.
Esperto o holandês que comprou a ilha dos índios, no início do século XVII, pelo que hoje seriam cerca de sessenta e cinco dólares. Bem, assim contam alguns. E nasceu a Nova Amsterdam. O italiano que primeiro pisou nessas terras, em 1524, não teve a mesma idéia, provavelmente porque não podia imaginar no que se tornaria. A bem da verdade, os holandeses aproveitaram muito pouco. Logo, logo, os ingleses vieram e a ilha virou Nova York, isso em 1664. Martin Scorcese contou maravilhosamente a saga dessa cidade no século dezenove, em seu filme “Gangues de Nova York”.
Apesar de todos os passeios, essa cidade também me entristece, por causa do 11 de setembro. Fui ao Ground Zero e fiquei me perguntando - como a gente se esquece, com tanta freqüência, de nossa humanidade? Ver aquele evento recontado me fez pensar na história do homem, com suas guerras, atos de intolerância, de desrespeito, descaso, invasões, pequenos assassinatos a cada dia em cada canto do mundo, provas da mais completa insanidade. Quando apresentamos uma “desculpa” para um ato desses, com base em “culpas” anteriores dos terceiros atingidos, perdemos a razão. Ficamos iguais aos que acusamos. Pura perda de tempo tentar me convencer do contrário.
Nessa visita a Nova York, comemorei mais um aniversário, na companhia de Bianca, que veio da Itália para a data, e Aloísio D’Aguiar, um excelente músico brasileiro que mora aqui há 30 anos, irmão de minha amiga Rosa e que se apresenta, atualmente, também no Via Brasil, na 46. Fomos jantar no Serafina, ali na Broadway, que faz parte de uma cadeia de restaurantes italianos bastante conhecida. Servem pratos bem gostosos, apresentam uma carta com bons vinhos, os garçons são super atenciosos... e têm uma sobremesa maravilhosa! Dividimos, os três, um petit gateau daqueles! Saímos felizes de lá. Não tem erro. Caso estejam por aquelas bandas, podem ir sem qualquer susto gastro-econômico.
Tenho evitado museus muito grandes. Tornam-se cansativos e, depois de algum tempo, por causa do excesso de informação, você já não está vendo mais nada direito. Como já visitei o Louvre, o Metropolitan e o British Museum mais de uma vez cada um, agora procuro os menores, tendo algumas boas surpresas. Geralmente, são em casas belíssimas, por si só verdadeiras obras de arte, transformadas em museus quando seus proprietários morrem e assim o determinam. A Frick Collection é uma delas. Fica na 70th. Street e tem peças incríveis. Vermeer, Turner, Degas, eles estão todos presentes, em pequenas gotas como devemos usar os melhores perfumes.
No Guggenheim, apenas visitamos a lojinha do museu, ainda em reforma para a comemoração de seus cinquenta anos. E nova visita ao MoMA também ficou para uma próxima vez. Foram apenas 4 dias que passaram sem a gente sentir. Só não saí com muita pena, porque embarquei para Chicago, em nova aventura. E sei, também, que vou voltar um dia, para rever Nova York, com todas as suas dores e com seus grandes amores.

sábado, 2 de maio de 2009

A ILHA DO PADRE

A ILHA DO PADRE
Ana Hertz
Maio 2009.

O pior é que não só a ilha é do Padre. Todo o resto também! A padaria, a escola, a lanchonete... Brincadeiras à parte, Padre Island fica junto a Corpus Christie, mais ou menos a 4 horas de Houston, para o sul. É uma pequena cidade aqui no Texas, cuja população beira os quatro mil e quinhentos habitantes. A ilha, South Padre Island, faz parte de uma formação de ilhas que constituem uma barreira natural ao longo da costa do Golfo do México. Ouvi falar dela, pela primeira vez, quando o furacão Dolly, ano passado, estava em plena atividade. Os dois últimos fenômenos naturais que atingiram Padre Island, em 1967 e em 2008, fizeram grandes estragos por aqui.

Ao chegar, fui direto conhecer Padre Island National Seashore, reserva protegida com unhas e dentes pelo governo federal americano. São mais de 100 kilômetros de praias e dunas, vegetação nativa, fauna especial, sendo que essa barreira de ilhas representa uma importante fonte de óleo e gás natural, em razão de suas rochas de origem orgânica que datam, segundo os estudiosos, da Era Terceária. As praias não são bonitas como as nossas, como era de se imaginar, mas ficam cheias de turistas, mesmo com o mar encapelado. As dunas são parecidas com as do Nordeste, mas tampouco conseguem superar as nossas. Nessas horas, penso em como a Natureza foi pródiga quando arquitetou a costa brasileira...

Não tive oportunidade de ver a desova das tartarugas que fazem seus ninhos na região, inclusive na área da reserva, sempre entre abril e junho. Fiquei com pena, mas morri de medo de aventurar-me pelas praias com meu carro, que não tem tração 4x4. O programa de proteção e acompanhamento conta com a ajuda de voluntários e de muitos turistas, que ajudam os agentes informando quando localizam ninhos. Os ovos encontrados são transportados para o laboratório e postos na incubadora, para serem cuidados e monitarados. Um dia ou dois depois de nascidas, as tartaruguinhas são devolvidas ao mar, muitas já carregando transmissores que enviam informações durante cerca de um ano para os pesquisadores em terra. Parece que é igual ao nosso projeto TAMAR.

Em Padre Island, praticam-se inúmeros esportes ligados ao mar, mas, além da pesca, windsurfing e do surf, também se vêem turistas passeando a cavalo nas praias. Em feriados de primavera e verão, a cidade fica lotada. Parece Cabo Frio, ou Arraial do Cabo, com tanta gente.

Sobre Corpus Christi, uma cidade bem maior, com mais de duzentos e setenta mil habitantes, vale dizer que tem dois museus bastante interessantes, para compensar a cidade, que não é das mais bonitas. Os primeiros a colocarem os pés na região foram os espanhóis, em 1519, justamente no dia em que era celebrada, pelos católicos, a presença de Cristo na Eucaristia. Por isso, anos depois, a cidade que ali nasceu, já no século XIX, recebeu esse nome.

Num dos museus que visitei, o de História e Ciência, acabei recordando muito coisa que aprendi nos anos escolares, e das quais já não me lembrava mais. Carlos V, imperador que reuniu, sob seu cetro, quatro casas reais, foi um dos principais personagens do século XVI na Europa. Era filho de Joana, a Louca. A gente teve a nossa louca oficial, a Maria. Por que também eles não teriam a deles? Carlos nasceu em Gand, na Holanda, por sinal uma cidade que visitei ano passado e que achei lindíssima! Além de governar os Países Baixos, ainda era rei da Espanha, da Alemanha, da Sicilia, de Nápoles e das colônias da América. Acabou sendo sagrado Imperador desse vasto império.

Os navios voltavam para a Europa abarrotados, sobretudo de prata, metal do qual a Espanha dependia para cunhar suas moedas. Uma nota interessante – no museu, um cartaz dizia que o século XVI foi testemunha da primeira grande inflação da História, pois a Espanha inundou o velho mundo com suas moedas, e o custo de vida, naquele século, aumentou 400%. Se comparados com os 81% em março de 1990 no Brasil, é até pouco para 100 anos. Ou se pensarmos na Alemanha, entre 1919 e 1923, quando os índices chegaram a um trilhão por cento.

Voltando à história - cada vez que um navio afundava, o imperador entrava em depressão. A região, favorável à formação de furacões e tempestades fortíssimas, foi palco de um sem número de naufrágios. Em 1554, aconteceu o maior desastre. Como nos outros desastres anteriores, foi organizada uma expedição de resgate, que também disputou a carga com os eternos caçadores de tesouro. Muitas vezes, conseguiam recuperar metade do que havia se perdido. O saldo negativo desse trabalho é que não havia a menor preocupação em resgatar documentos, que não interessavam a eles, como também objetos que, por não apresentarem grande valor de mercado, eram deixados de lado e perdidos para sempre e, junto, parte da história daquele tempo.

Foi nesse período, também, que foram perpetradas grandes fraudes com relação aos seguros. Os proprietários dos navios seguravam, além das embarcações, tudo que era embarcado, mesmo que pertencesse aos passageiros. Na hora do sinistro, os comandantes entravam no bote salva-vidas, deixando os passageiros e o resto da tripulação para trás e, depois, reivindicavam o seguro. Nesse museu, pude ver um interessantíssimo histórico sobre os naufrágios e os desdobramentos. Fascinante, sem dúvida.

Carlos V reinou durante 42 anos e fez um verdadeiro estrago nas finanças do império. Simplesmente, gastava, por ano, cerca de 5 vezes o que conseguia extrair das colônias no Novo Mundo. Estava sempre em guerras e exagerava no luxo com que mantinha a corte. Com a descoberta da América, os espanhóis acharam que tinha encontrado o pote de ouro na ponta do arco- íris. Poderia ter sido, mas... Chegou a declarar, por 3 vezes a falência de seu governo. O coitado do filho herdou o trono devendo, segundo o que vi, cento e cinqüenta vezes o que havia sido retirado das colônias. Ou seja, foi um império com formidável extensão de terras e recursos minerais, mas permaneceu pobre, porque a fortuna escorreu por suas mãos como água, indo, grande parte dela, para os banqueiros estrangeiros a quem pedia dinheiro emprestado, pagando altas taxas de juros. Olhem eles aí! Desde sempre. A história parece conhecida?

Revi, também, a trágica derrocada do império asteca, durante o governo de Montezuma II. Com menos de 1000 homens e uns poucos cavalos, Cortez destruiu um grande império, constituído, na época, de quase 500 cidades e uma população de cerca de dez milhões de índios. Isso, em dois anos, de 1519 a 1521!

Colombo, ao pisar nessas terras, uniu o velho ao novo, transformando o planeta num único mundo. Começou, naquele momento, a globalização. Vieram uns tantos da Europa, outros tantos da África, esses contra a vontade, sabemos, e essa terra tornou-se o que é com toda a diversidade cultural que a compõe. Foi pago um preço alto, sem dúvida. De 1492 a 1900, noventa por cento da população nativa desapareceu, como sempre acontece quando se descobre uma nova terra. O dominador e o dominado. A velha e trágica história.

O descobridor acabou descobrindo muito mais do que apenas aquele extensão de terra. Conheceu o milho e a batata, já cultivados neste lado de ca há mais de sete mil anos! Em troca do cavalo que nos mandou, que não havia por aqui, a Europa foi apresentada ao cacau... daí para o chocolate foi praticamente um pulo. Impossível imaginar-se um mundo sem um delicioso chocolate. Nossos colonizadores trouxeram os cavalos, pela primeira vez, em 1534, para a capitania de São Vicente.

O guia do museu, talvez para nos fazer relaxar, depois de tanta informação, principalmente sobre o que foi feito com os nativos, brindou-nos com uma comparação divertidíssima entre o homem e a mulher. O primeiro é como waffle, cheio de compartimentos. A segunda, comparou-a à panqueca, lisinha. Ou seja, caso algo aconteça ao homem, ele “compartimentaliza” a situação. Uma situação desagradável “espalha-se” na superfície feminina por inteiro, na maior rapidez. Por isso, o casal briga, briga, e o homem ainda pensa em sexo. A mulher, furiosa, nem quer saber.

Havia esquecido de explicar que o nome da ilha foi dado em homenagem a um padre católico, Jose Nicolas Balli, que herdou o território que Carlos III, rei de Espanha, havia dado a seu avô. Decidiu se estabelecer por lá, no século XIX, levando parte da família. Foi ele quem construiu a primeira igreja, iniciou a criação de gado, enfim, com isso tudo, o lugar começou a florescer. Merecida a homenagem. Por isso, encontramos a loja do Padre, a cafeteria do Padre, a whiskeria do Padre. E, como não poderia faltar... tem ainda o motel do Padre! É a ilha do Padre, sem a menor dúvida. Nas terras brasileiras, temos o Maranhão que, embora oficialmente tenha esse nome, deveria ser chamado de Terra do Sarney. Uma ilha era pouco para ele, preferiu o estado inteiro.

terça-feira, 21 de abril de 2009

NO MEIO DO NADA

NO MEIO DO NADA
Ana Hertz
Abril de 2009.

Round Top tem, oficialmente, apenas 77 habitantes. Há cento e quarenta anos, prósperos proprietários de terra ali se estabeleceram e, desde então, vem sendo mantida a tradição de cidade pacata, muito influenciada pelos imigrantes alemães e tchecos que também decidiram viver por ali.

A primeira coisa que me atraiu para a região foram as igrejas pintadas, construídas no século XIX pelos novos moradores, num esforço para preservar o vínculo com as raízes do outro lado do oceano. As inscrições nas respectivas línguas demonstram que pretendiam vencer nesse novo mundo, mas não queriam perder a cultura da pátria-mãe. Apenas a partir de 1984, quando quinze dessas igrejas foram incluídas no Registro Nacional de Lugares Históricos, historiadores, artistas e turistas passaram a prestar atenção nas Igrejas Pintadas do Texas. E eu, só agora!

Li sobre elas num livro e fiquei encantada. Estabeleci La Grange como centro de minha expedição, por ter descoberto que é considerada a melhor pequena cidade do Texas e dali podia partir para as outras. A primeira igreja que visitei encantou-me de tal forma que as fotos foram logo incluídas no meu álbum de viagem. Construída em 1895, fica bem perto, em Praga, em honra a Nossa Senhora da Assunção.. Pelo nome da cidade, já se vê que a área foi colonizada pelos tchecos. Outra linda, vi em Schulenberg, também em honra a Nossa Senhora, onde um belíssimo Cristo se destaca no altar central, com um jogo de luz inacreditável. Mais uma foto para o álbum. Todas, em geral pequenas, aconchegantes e muito bem conservadas, são muito bonitas.

E foi através do dono do Bed & Breakfast de La Grange que ouvi sobre outras tantas maravilhas de Fayette County, condado que abriga inúmeras pequenas cidades, cada uma mais interessante do que a outra. Neale Rabensberg, um arquiteto de família tradicional de Houston, deixou a cidade grande e comprou de volta a casa que havia pertencido aos familiares, onde estabeleceu The Meerscheidt House, o mais charmoso hotelzinho dessa região que tem tanto da história do Texas para contar. Mesmo depois de seis visitas, nem da metade consegui saber.

Aprendi muito sobre mapas, numa palestra na Sociedade de Genealogia de La Grange a que Neale me levou. Nunca havia parado para pensar como são importantes, como representam coisas tão diferentes, como explicam o fascinante caminhar dos homens pelo mundo, desde o início das civilizações. Ou seja, tanta cultura nessa cidade com pouco mais de quatro mil habitantes, rodeada de campos e mais campos. Anda-se de carro por 20 minutos sem que se veja um outro carro, uma pessoa qualquer... e eles estão com tanto conhecimento e procurando descobrir ainda mais.

Uma das coisas que mais me fascinou em Round Top foi a James Dick Foundation for the Performing Arts, fundada há quase 40 anos por James Dick, pianista conhecido internacionalmente e que organiza, desde então, o Festival Internacional de Round Top. Para resumir o que representa essa instituição, que começou com alguns pianistas num espaço alugado, atualmente é um instituto de música para jovens talentosos que chegam de todo canto do mundo. No primeiro concerto que fui, conheci um violinista de Belo Horizonte estagiando por lá. Já fui a duas outras apresentações, todas da melhor qualidade. A última, semana retrasada, foi uma sessão de percussão que me deixou extasiada. Enfim, música clássica, contemporânea, todos os estilos..

O Campus do Instituto tem 210 acres, com construções históricas, muitos jardins, parques, alojamento para os estudantes e visitantes e, o que me assombrou, uma opera-house para 970 pessoas! Além de belíssima, é considerada uma das melhores dos Estados Unidos. Sou testemunha de que há público - num dos concertos não se viam lugares vazios. Isso, numa cidade de 77 habitantes. Há temporadas de verão, de outono e de primavera. Faltou o outono? A temporada de inverno começa antes para compensar. E esqueci de contar que há uma igreja linda, trazida de uma outra cidade próxima e remontada num dos jardins. Realmente, é uma coisa extraordinária.

Ainda em Round Top, além da música, há, nos meses de julho e agosto, o Campus Shakespeare. É um programa da Universidade do Texas – Shakespeare at Winedale.- com duas semanas de acampamento para adolescentes de 10 a 16 anos. Esses adolescentes estudam Shakespeare através da representação teatral, quando exploram não só os aspectos da língua, da literatura, como também o caráter dos personagens. Não são apresentados shows com essas crianças, e o que realmente importa é o processo criativo em que se envolvem.

Se não fosse o bastante, a mesma Universidade do Texas patrocina, há quase 40 anos, apresentações das peças de Shakespeare também em Winedale. Estudantes universitários de qualquer área podem explorar o grande autor através da representação. Pude ver “O Mercador de Veneza” sentadinha na última fila do teatro, que é um antigo celeiro de madeira, devidamente restaurado, com palco em dimensões bastante razoáveis, e uma platéia com cadeiras de armar, bem simples, para 250 pessoas. Os atores ficam internados por 2 meses, ensaiando 3 peças diferentes, e em julho e agosto o público vem assistir. Após o espetáculo, os atores confraternizam com os espectadores, num lindo gramado rodeado de frondosas árvores. Precisa-se de algo mais?

Se alguém pensa que acabei de contar sobre Round Top está redondamente enganado. Temos as Fall and Spring Antiques Fairs, que há 40 anos acontecem por ali, duas vezes por ano. São as mais famosas, mas existem outras tantas que acontecem durante o ano todo. Fui conferir, há quinze dias, e fiquei deveras impressionada. São quilômetros e quilômetros de barracas, tendas, lojas, oferecendo as mais variadas antiguidades. Consegui comprar exemplares da Revista Life dos anos quarenta e setenta, com edições em oito datas correspondentes ao aniversário de amigos e filhos. Achei que podem ser uma bela lembrança para cada um deles. Vão ver o que acontecia no mundo quando nasceram, na visão dos que viviam aquelas historias... Se compararmos com o que nos contam hoje, talvez tenhamos grandes surpresas.

Para resumir, fiquei presa em um enorme engarrafamento em Round Top. E não foi por ser uma cidade pequena. Explica-se - são cerca de 40 ou 50 mil pessoas visitando a feira, vindo de todos os cantos dos Estados Unidos e alguns do exterior, especialmente de Londres.

E nesse último final de semana, em La Grange estavam 13 mil ciclistas que dali partiram para Austin, pedalando por cerca de 80 milhas de distância, numa corrida que acontece há 25 anos. Em razão da tempestade que se abateu sobre a região, apenas essa segunda etapa da corrida original pode ser realizada. A primeira, de Houston até La Grange, foi suspensa. Foi muito interessante ver toda aquela gente, de todas as idades, credos e cores, partindo em busca, muitas vezes, apenas da alegria de estar ali... muitos não estavam competindo... queriam apenas participar, chegar ao final, sem se importar com o tempo que seria necessário.

Pois é. No meio do nada, encontrei música erudita, música contemporânea, Shakespeare, antiguidades, estudo de genealogia, treze mil ciclistas... Vou contrariar o Barão de Itararé. Uma dentre suas máximas ou mínimas mais famosas - De onde menos se espera, daí é que não sai nada, para mim, não pode ser tomada como regra.

No meio do nada, encontrei tanta coisa interessante. Como também os jurados do show Britain’s Got Talent e o público na platéia, que não fizeram fé em Susan Boyle, uma mulher mais velha, que não atende aos padrões de beleza estabelecidos pela atual sociedade, saída de um pequeno vilarejo da Escócia. Presenteou a todos com momentos da mais pura beleza e emoção, mostrando uma voz que poucos têm a sorte de ter.

Se vierem ao Texas, não deixem de visitar esses cantos. Vão se surpreender, pois no meio de nada, a gente pode encontrar muito. Basta saber procurar.

domingo, 12 de abril de 2009

SAO DOIS PRA LA, DOIS PRA CA

SÃO DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
Ana Hertz
Abril de 2009


Saudades da Elis Regina cantando... E saudades do tempo em que minhas pernas obedeciam ao comando de meu cérebro! A primeira investida para melhorar a performance muscular, depois da perna e do joelho quebrados, foi entrar para uma academia de ginástica, com a supervisão de uma personal trainer muito boa. Depois, para juntar o útil ao agradável, matriculei-me numa escola de dança de salão.

O engraçado é que essa história de comer e coçar vai mesmo do começar. Quando descobri que as prefeituras de League City, onde moro, e a de Friendswood, bem ao lado, oferecem várias atividades para os seniors, fui eu atrás de mais atividade física. Temos, para escolher, jazzexercice, sapateado, clogging – a deliciosa dança irlandesa, e a line dance. Antes que me esqueça: para o cinema, desconto no Texas só para os de 62 para cima. Nos museus, com 65 podem pagar menos. Para minha sorte, nesses programas na prefeitura, basta chegar aos 55 para usufruir de tudo que oferecem para os mais antigos.

Toda animada, fui ver como era essa tal de line dance. Simplesmente, o que o nome já diz. As pessoas ficam alinhadas, uma ao lado da outra, formando quantas filas forem necessárias. Não se precisa de par, apenas de alegria e vontade. A professora, que beira os 70, tem uma energia de fazer inveja a qualquer jovem. Aos domingos, vai a dois eventos de dança e não pára um minuto. Fui testemunha uma vez, quando fui junto!

Nos primeiros dias, sentia-me uma completa desastrada, perto daquelas companheiras mais velhinhas do que eu (uma tem 85!) e que dançam sem perder o ritmo, o passo e, o que é o máximo, sem esquecer a coreografia! Em tempo... as mulheres se saem melhor do que os homens que também freqüentam as aulas. Com o tempo, fui aprimorando e não me saio tão mal assim. Adoro dançar o charleston. Como é divertido! E pensar que, quando lançado, o ritmo causou o maior escândalo por ser considerada uma dança por demais licenciosa!!

Fui num entusiasmo impressionante e acabei até fazendo hula-hula, a dança havaiana. Na primeira aula, enquanto rebolava como se estivesse envolta num sarong, percebi que deveria também fazer gestos com os braços e as mãos. Imitei a professora do jeito que pude, achando-me a mais ridícula das criaturas. Acabei percebendo que os gestos expressavam o que a canção dizia. No intervalo, Mary, minha amiguinha havaiana de 85 anos, explicou tudo. Como a música conta uma história, precisa ser dramatizada. Enquanto cantamos e dançamos, estamos representamos. E me vi encenando um pássaro em seu belo vôo enquanto dançávamos Yellow Bird. E não mais me achei ridícula. Entrei na cultura daquele povo tão interessante e fiquei com uma vontade enorme de visitar suas belíssimas ilhas, cada uma com a natureza mais exuberante do que a outra. Quem sabe por lá eu não aprimoro meu rebolado havaiano?

Por estar fazendo dança, acabei caindo nos braços da pintura em aquarela, outro programa para seniors da Prefeitura. E daí, para pintura em acrílico e, em um mês, acabarei metendo a mão na argila. Tudo free of charge. Quem quiser e puder, oferece um dólar por atividade, para ajudar os professores, todos voluntários, a pagar a gasolina. Quem poderia supor que eu, um dia, estaria pintando e fazendo esculturas? O produto final, podem todos acreditar, não é dos piores! Nada vai fazer parte do acervo do MOMA, ou do Louvre, mas tenho me divertido muito enquanto me lambuzo de tinta. Não estou pintando apenas o “sete”!

Constatei que os participantes não são pessoas desocupadas ou solitárias, o que poderia parecer num primeiro momento. A maioria tem atribuições, quando não profissionais, familiares. Eu já havia comentado que grande parte dos cidadãos americanos trabalha até não poder mais. Alguns outros fazem parte de grupos de terceira idade que se apresentam em retiros de idosos (dos mais idosos ainda!) e em hospitais, levando alegria, música, dança e carinho para quem precisa. Três amigas, inclusive a Mary, de 85 anos, participam do Stars and Stripes, um conjunto de 300 idosos que tocam cavaquinho! Divertem-se nos ensaios, uma vez por semana, e nas apresentações, duas vezes por mês, quando comparecem todos com o traje da banda, fornecido pela Igreja Presbiteriana que patrocina o grupo. Esclareço de uma vez – não precisam freqüentar a igreja ou seguir a doutrina para fazer parte do grupo. Qualquer interessado pode participar. Nisso, ainda não me arrisquei.

E sobre os “solitários”... um grande número deles é casado ou tem namorado, ou namorada. E alguns vão juntos! Vejo vários casais, tanto no programa de seniors, quanto nas aulas de dança de salão. Portanto, não podemos generalizar que sejam solitários ou desocupados.

Acabei sabendo que existe um programa de “avós adotivos”. Quem tiver mais de 55 anos pode se candidatar, tanto para voluntário, como para um contrato, com remuneração pelas horas trabalhadas. Atuam como professores particulares, mentores e, muitas vezes, fazem apenas companhia, oferecendo apoio moral e afetivo a crianças e jovens com necessidades especiais. E o Seniors Corps também tem um programa em que idosos ajudam outros idosos que precisam de companhia para desempenhar algumas tarefas domésticas ou sociais, como fazer compras, ir ao médico, visitar um amigo. No Brasil, as famílias, em geral, atendem a essas necessidades, enquanto por aqui isso é, algumas vezes, um pouco mais complicado.

Voltando ao assunto principal, a dança. A poucos domingos atrás, fui a uma igreja metodista, onde o grupo de line-dance ia se apresentar. Fui meio desconfiada, ao saber que a tal igreja se chama Cowboy Church. Parece inacreditável, mas até o pastor se veste de cowboy. Pelo que entendi, descobriram que estava meio difícil fazer a tropa freqüentar a igreja. Qual a melhor idéia? Venceu essa - contratam uma banda, quase sempre de música country, providenciam comes e bebes (refrigerantes, café e água) e, no meio do show, o pastor faz um mini-sermão de 5 minutos e temos resolvida a questão. A igreja tem o culto tradicional, por certo, mas também lança mão desse recurso para que os fiéis menos fiéis compareçam. E todo mundo sai dançando, na maior animação. E verdade seja dita – não dançar faz mal a saúde!

E lá vou eu e meus amiguinhos da terceira juventude nos divertindo muito com o “dois pra lá, dois pra cá” que tanto a Ellis recomendou. Ninguém se incomoda, ou se envergonha, de dançar meio torto, caso tenha um braço e uma perna um pouco prejudicados por um AVC ou apenas porque a idade chegou mesmo! Faz o que pode, sorri e vai dançando conforme sua própria música...e quem sabe um novo dois para lá e somente um para cá também dá certo? Não custa
tentar.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

QUEM MATOU J.R ?


QUEM MATOU J.R.?
Ana Hertz
Março de 2009.

Dallas é uma palavra que sempre me traz de volta coisas das quais não gosto. Um delas, a série com esse nome que cheguei a ver na televisão algumas vezes, foi assunto em variadas rodas durante muito tempo. Nos Estados Unidos, foi ao ar de 1978 a 1991 e, por incrível que pareça, a história não agradava apenas por essa freguesia. No mundo inteiro, as pessoas ficavam hipnotizadas. O tal capítulo em que o mistério sobre o atentado ao execrável J.R. seria desvendado foi visto, no planeta, por cerca de 360 milhões de pessoas. Algo realmente inacreditável. Foi uma histeria coletiva, tipo “quem matou Odete Roitman” na novela Vale Tudo, nos anos oitenta, só que em escala gigantesca. A outra coisa foi a morte de Kennedy.

Eu, sinceramente, não tenho a menor idéia de quem atirou em J.R. Gostava de Larry Hagman como Major Nelson, em Jeannie é um gênio. Mas o mundo só o reconheceu como artista a partir de seu desprezível personagem. Interessante esse fenômeno do bandido que vira o centro das atenções. Pelo que li, a trama iria girar em torno do irmão bonzinho, mas ele era tão sem graça que não teve a menor chance. A mulher do mau caráter tampouco era uma flor de pessoa. Chamava-se Sue Ellen e me lembro perfeitamente disso porque, logo depois, vivemos uma febre de menininhas sendo batizadas com o nome dela; enfim, essas coisas de moda televisiva.

Comecei lançando a pergunta – Quem matou J.R? - quando, na verdade, acho que nem o mataram. Ainda que saiba ser politicamente incorreto, confesso que era melhor que o personagem tivesse morrido mesmo, pois era infame. Tão infame quanto o astronômico preço dos anúncios para os intervalos do episódio revelador: cada interessado pagou a bagatela de quinhentos mil dólares por minuto! Para não ter que comentar, melhor mudar de assunto.

Resolvi conhecer Dallas por ser uma cidade com muitos museus interessantes e galerias de arte da melhor qualidade, razoavelmente perto, a cerca de 4 horas e meia de Houston. Peguei meu carro numa sexta-feira e lá fui eu, ouvindo Chico, Edu Lobo, Cesar Costa Filho pelo caminho. Nem senti o tempo passar. O Circo Místico e o Mirante da Amaralina me encantaram.

A primeira impressão é a que fica, diz o ditado. Se não existissem as exceções para todas as regras, eu nem estaria escrevendo sobre Dallas, e sim tentando esquecer todas as complicações com que me deparei quando cheguei. Primeiro, foi uma estrada com pedágio, cujas cabines não eram guarnecidas por seres humanos... apenas máquinas. E essas antipáticas maquininhas simplesmente rejeitaram nada menos do que seis notas de um dólar com as quais pretendia pagar os quarenta cents da taxa! Simplesmente, cuspiam todas as que eu inseria! Atrás de mim, uma fila de carros aguardando. Felizmente, os motoristas são super controlados... ninguém buzinou! Após muitas tentativas, uma das benditas foi aceita, e eu pude ir adiante. Podem imaginar a vergonha.

Depois da experiência desastrosa, fui procurar o Heritage Museum, que me parecia bastante interessante nos folhetos que tinha recebido. Consegui localizar a rua, mas não o museu propriamente dito. E comecei a achar que a vizinhança era meio estranha... fui embora, em busca do meu hotel numa cidadezinha próxima. Por causa de um trânsito louco, levei o dobro do tempo previsto para chegar a Irving. E não é que tampouco achava o hotel? O problema é que o GPS ficou sem sinal. Nessas cidades menores, ninguém anda na rua e não se tem a quem perguntar. Depois de rodar muito, num posto de gasolina encontrei uma bondosa alma que conhecia o lugar e aí foi fácil. Comecei a achar que tinha entrado numa furada.

Persistente como toda taurina, no dia seguinte insisti no tal do Heritage Museu e achei na primeira tentativa. Fiquei encantada. Levaram para uma área do antigo parque da cidade 38 edificações representativas do período entre 1840 e 1910. Treze acres de terra, com muitas árvores e flores, uma escola, uma igreja, residências de vários padrões e prédios comerciais. Além disso, aos sábados, um grupo de professores de história, todos voluntários, apresentam cenas do velho oeste, com direito a tiros, bandidos presos, dinheiro do assalto ao banco recuperado... E o que é melhor – ficam por 5 horas conversando com os visitantes e contando um pouco da história do Texas. E eu, que nunca estive numa fazenda, consegui ver uma ovelha sendo tosquiada, já que a primavera chegou e, com ela, a necessidade de livrar a pobrezinha de toda aquela lã. Pude ver antigas máquinas impressoras, um escritório de advocacia com uma petição daquela época, a cadeia, o saloon onde todos se encontravam; enfim, bem divertido e, para as crianças, um modo mais interessante de entrar em contato com as raízes de seu país. Não ter achado o museu na sexta-feira foi obra do meu anjo da guarda – teria perdido a encenação e a conversa com os voluntários. Na vida da gente, isso acontece muito. Reclamamos de algo que não saiu como planejado, mas o que vem em troca é muito melhor.

Fui, então, para o Six Floor Museum, montado a partir da morte de John Kennedy justamente no andar do prédio de onde Lee Oswald teria atirado no presidente americano. Bem na entrada, há uma informação sobre esse sexto andar, dizendo apenas que foi onde encontraram um rifle. Quem escreveu isso concorda comigo – a versão oficial é uma historinha muito da mal contada.

Já no lado de fora, podemos encontrar muitos “guias”, com reprodução do jornal da tarde de 22 de novembro de 1963, edição que já saiu com a notícia. Lembrei-me de Olinda, com aqueles meninos-guias contando sobre a cidade, com um texto bem decoradinho para impressionar os turistas. Levei 40 minutos para comprar o ingresso, pois o movimento era inacreditável. O funcionário comentou que todo dia, a qualquer hora, a fila é enorme, tornando-o um dos mais visitados museus dos Estados Unidos.

Fiquei bastante impressionada com o que vi. Não percebi a “história oficial” sendo imposta naquele lugar. Há, a cada passo da exposição, diversas informações sobre o assassinato que contradizem a versão apresentada e, mais do que isso, nos murais podemos ver a maioria das dúvidas levantadas. Mostra o relatório final da Comissão Warren, em 1988, que concluiu não ter havido conspiração objetivando a morte de John Kennedy. Os inúmeros suspeitos, que iam do governo soviético à Máfia, passando por Cuba, CIA, FBI, extrema-direita americana, foram todos inocentados. Para eles, houve apenas um culpado – Lee Oswald. Logo no painel ao lado, apresentava-se a pergunta: - Por que um agente da CIA, demitido por Kennedy um pouco antes, foi justamente um dos principais encarregados da investigação?

Como era muito jovem na época, só me lembro de saber da morte no meio da tarde, enquanto ouvia a Rádio Tamoio, e de que fiquei muito chocada. Kennedy havia “chegado” ao Brasil, com toda uma aura de jovialidade, promessas de mudança, compromissos com a pátria, charme; enfim, o mais novo presidente norte-americano também encantava o mundo. Descobri, neste passeio, que sua vitória foi por apenas 0.1% dos votos, num universo de sessenta e nove milhões de eleitores. Nixon, anos depois, disse que não conseguiu vencer por faltar-lhe o charme do oponente. Mesmo despertando receio por ser considerado muito jovem para o cargo, por ser católico num país protestante, Kennedy chegou lá.

Além do público em geral, há um sem número de historiadores respeitados que continuam sustentando a tese de conspiração. Kennedy foi audacioso ao contrariar os interesses de indústrias bélicas e de militares, acenando com a proposta de encerrar a corrida armamentista. Imagina-se bem o que isso trouxe. Se mais não fosse, como democrata, ousou falar em igualdade de direitos civis e sociais para todos os americanos, independentemente de cor, religião, origem. Com isso, ao mesmo tempo que despertou ódio dos radicais e dos que viram seus interesses ameaçados, seduziu o mundo e muitos americanos. Foi por essa razão que não foi só nos Estados Unidos que o assassinato provocou comoção. O funcionário do estacionamento onde deixei meu carro contou que em seu país, a Etiópia, ainda hoje muitas escolas e hospitais são batizados com o nome dele.

Falando em estacionamento, quando voltei para o carro, tinha um documento preso no vidro da frente. Era uma espécie de relatório da Safety Patrol do Departamento de Policia de Dallas. Eles fazem a ronda na cidade, verificando se os carros estão seguindo as normas de segurança. Deixam, então, o tal relatório, assinado por quem fez a vistoria, com a informação se o veículo “passou” ou não no exame. Os itens avaliados são – chaves esquecidas na ignição, coisas deixadas no interior do carro que podem atrair a atenção dos ladrões, janelas abertas, ou qualquer coisa que possa facilitar a ação dos meliantes. O meu Toyota foi aprovado.

Para os americanos, ficou a impressão de que aquele futuro melhor prometido por Kennedy jamais seria alcançado. O sonho de uma nação mais próspera, um mundo menos agressivo e direitos iguais foi abortado naquele novembro em Dallas, uma das cidades mais conservadoras dos Estados Unidos. Concretizou-se, após mais de 400 ameaças de morte desde sua posse, o que tantos temiam.

Muitos analistas políticos dizem que seu maior crédito foi pelo que poderia ter feito, não pelo que realmente chegou a fazer. Lembrei-me de Trancredo Neves, outra promessa não cumprida por circunstâncias extraordinárias. Comparei os 26 volumes da Comissão Warren com o relatório do Coronel Job Lorena, sobre o Riocentro. Documentos inaceitáveis. A morte de Kennedy, nos livros de História, resume-se a duas linhas – foi morto por um atirador solitário que foi morto por outro atirador solitário e ponto final.

A teoria da bala única – the single-bullet theory – tem a ousadia de traçar a trajetória de uma bala originada da arma de Lee Oswald, bala essa que teria causado sete ferimentos, um em Kennedy e seis em Connally, o governador texano. Teria quebrado dois ossos e saído inteiramente limpa, sem perda de material, sinal de sangue ou qualquer coisa. O que torna as coisas ainda mais inacreditáveis - teria passado pelo pescoço do presidente, dirigindo-se para baixo, mudado de direção, subido e saído por sua garganta. Não satisfeita, “parou para pensar” por um segundo e meio e, mudando de direção novamente, foi para a direita, depois para a esquerda e, então, atingiu Connally, em seu pulso direito, quebrando-lhe o osso, fazendo uma monumental curva e alojando-se, finalmente, na coxa esquerda. Nem Walt Disney teria a coragem de colocar uma coisa dessas em seus desenhos animados, com medo de fazer um papel ridículo.

Por isso tudo, Dallas nunca foi, para mim, uma cidade simpática. Deve ter percebido isso, pois quando fui para a estrada de volta para casa, presenteou-me com o mais belo pôr-do sol de toda a minha vida, e eu já vi milhares - estou “na estrada” há muito tempo. Por sorte, pude capturá-lo com minha câmera fotográfica, sempre a postos no banco do carona.

Nada me convence que Lee Oswald era um assassino solitário e, do mesmo modo, pensam quase todos os habitantes do planeta. Um conto da Carochinha muito mal elaborado. E não tenho esperança de chegar a saber da verdade. Quem matou J.R? Não sei e não me interessa. Quem matou J.F. K? Não sei, mas queria muito ver desvendado o mistério. Dallas não me contou. Não teve coragem.

quarta-feira, 18 de março de 2009

I LEFT MY HEART IN SAN FRANCISCO

I LEFT MY HEART IN SAN FRANCISCO
Ana Hertz
Março de 2009.

E lá fui eu, depois de quase vinte anos, rever San Francisco. Não mudou muito... nem poderia, pois não tem mais espaço para grandes mudanças. O que importa é que continua um charme. Suas ladeiras, o Fisherman’s Wharf, o Cable Car inaugurado em 1873, a Lombard Street cheia de curvas, as Vitorian Houses incrivelmente maravilhosas... enfim, uma cidade encantadora.

Lembro-me da primeira vez que estive na California, em 1989, incumbida de estabelecer contato com os responsáveis pelas emergências e desastres das cidades em torno da Baía de San Francisco, todos grandes especialistas em calamidades já que vivem a crônica de um terremoto anunciado, o Big One. A falha de San Andreas passa bem perto de Los Angeles e San Francisco e, mesmo não tendo dado trabalho demais nos últimos cem anos, os pesquisadores afirmam que, em razão do deslocamento da placa do Pacífico e da placa norte-americana, parte da Califórnia e do Alaska serão atingidos por um terremoto de dimensões incalculáveis nos próximos 30 anos.

Poucos meses depois que voltei para o Brasil, ocorreu o Loma Prieta. Embora não tenha sido dos piores terremotos de acordo com a escala Richter, ainda assim matou 63 pessoas, feriu mais de 3 mil e destruiu uma grande área da cidade. Em termos econômicos, foi o mais caro desastre natural dos Estados Unidos. Um ano depois, quando organizaram um seminário para avaliar as ações empreendidas, fui convidada para participar. Aproveitei para perguntar ao Chefe do Corpo de Bombeiros como conseguia dormir, depois de passar o dia inteiro treinando pessoal, fazendo pesquisa, enfim, só pensando em terremotos. Respondeu que ia para casa, ficava com a família, e em nenhum momento seu pensamento se voltava para o assunto. Sem dúvida, nós, humanos, temos nossos mecanismos de defesa sempre a postos... enlouqueceríamos, se não fosse assim. Eu, entretanto, enquanto estava lá, morri de medo. Um exagero, eu sei, mas me arrepiava toda vez que pensava na possibilidade. Nem tive coragem de pegar o metrô.

Mudo de assunto, já que essa história de desastres naturais não agrada muito. A cidade estava enfeitada, em diversos pontos, com belíssimos corações. Artistas foram convidados a pintá-los e, depois de algum tempo, foram todos leiloados. Conseguiram cerca de dois milhões de dólares, e o dinheiro arrecadado foi integralmente revertido para o Hospital Geral da cidade. É uma versão da “Cow in Parade”, que também enfeitou o Rio de Janeiro tempos atrás, só que adaptada para San Francisco, cidade conhecida por sua hospitalidade e tolerância, sempre de coração aberto. Vi alguns dos 130 expostos, e, por sorte, um deles foi justamente o pintado pelo Tony Bennett. Tirei fotos, é claro, e achei o maior charme. Mais bonito do que as vaquinhas que andaram pelo mundo afora.

Mesmo morando em apartamento decorado mais para o moderno, sou apaixonada pelas Victorian Houses. Nos Estados Unidos, foram construídas principalmente na segunda metade do século XIX e no começo do XX, e continuam sendo um símbolo da prosperidade de seus proprietários. São inacreditavelmente caras, e San Francisco, na verdade, tornou-se uma cidade de imóveis alugados. Quem não teve pais ou avós que puderam comprar imóveis nas priscas eras, nem sonham, hoje em dia, com a “casa própria”. Simplesmente, está fora do alcance da maioria dos mortais. Quando essas construções antigas precisam de reforma, o preço é mais alto do que se fossem construídas novamente.

Uma curiosidade. A casa mais valiosa de San Francisco, atualmente, é a mansão da escritora Danielle Steel, bem no alto de uma colina, de onde se pode ver a baía por inteiro. Ela escreveu mais de setenta livros, publicados em quase trinta línguas diferentes, teve uns tantos transportados para o telão, outros viraram seriados na televisão; enfim, um sucesso. Passa metade do tempo nos Estados Unidos e o resto em Paris. Cheguei a ficar com inveja da vista que tem lá do alto, mas refleti um pouco e... tem o terremoto. Resolvido o problema - não quero mais.

Uma coisa interesssante é que San Francisco foi a primeira cidade americana a proibir sacos plásticos para compras. Isso é um avanço, quando se pensa no planeta e todo esse lixo que não se decompõe antes que se passem séculos. Cada pessoa nos Estados Unidos produz cerca de 2 kilos de lixo por dia, enquanto no Brasil é só um. O que ainda é muito, pensando bem.

Falando em ecologia, descobri que o Brasil vem liderando há sete anos, no mundo, a reciclagem de latas de alumínio para bebidas, com um percentual de 96,5% do total . Isso representa mais de um milhão de latinhas sendo recicladas por hora! Nessas bandas do Norte, o índice de reciclagem fechou 2007 em apenas 53,8%. A questão social, no Brasil, impulsiona a coleta, o que não acontece por aqui. Mas juro que vi uma senhora, de origem oriental, mexendo nas latas de lixo em San Francisco, procurando por elas; antes de guardar as que conseguiu encontrar, amassou-as com os pés para diminuir o volume.

Por outro lado, enquanto no Rio de Janeiro o papel e papelão correspondiam a 24% do peso do lixo urbano há alguns anos, nos Estados Unidos, na mesma época, o papel constituía 3,3% do lixo. Essa conscientização de que devemos preservar o meio ambiente vem crescendo, felizmente, ainda que a Administração Bush não tenha assinado o Tratado de Kioto. Os administradores municipais estão trabalhando nesse sentido e todos torcemos para que melhore a cada dia.

Não podemos falar em San Francisco sem mencionar Alcatraz, cujo nome dizem vir de “Alcatraces”, que significa pelicano pardo. “The Rock” foi usada pelo exército americano como prisão militar até 1933, quando passou a ser penitenciária de segurança máxima.

Pelo que descobri, nunca foi a versão americana da Ilha do Diabo, famosa e infamante colonia penal francesa da Guiana, imortalizada no filme Papillon, com Steve McQueen. Alcatraz oferecia, na verdade, melhores condições a seus prisioneiros do que as outras penitenciárias do país. Teve muitos “hóspedes” famosos, incluindo Al Capone. Dos 36 prisioneiros que tentaram fugir, a maioria foi recapturada, sendo que 6 foram mortos durante a fuga e 2 se afogaram. Os cinco dos quais o sistema judiciário não teve mais notícias foram considerados desaparecidos e presumidamente mortos. Será? Clint Eastwood deve saber a verdade.

Essa penitenciária exerceu um tremendo fascínio sobre Hollywood. E de todos os filmes que fizeram sobre o assunto, três ficaram para a história do cinema. Primeiro, foi “O Homem de Alcatraz”, com Burt Lancaster e que levou 4 Oscars. Depois, tivemos Clint Eastwood no papel principal de “Fuga de Alcatraz”, que eu adorei, mas que deu um senhor trabalho aos produtores, pois, em 1979, o local já estava desativado. Para restaurar a eletricidade, foram instalados quase 30 kilômetros de cabos partindo do continente. E o último, “ The Rock”, com Sean Connery, Ed Harris e Nicholas Cage, também foi muito bom.

Já que mencionei o Clint Eastwood, tenho que falar em Carmel-by-the-sea, uma pequena cidade perto de San Francisco, conhecida por sua riquíssima tradição artística. Ele foi seu prefeito por 3 anos, tempo que dura a administração municipal por aqui. Adorei tudo. Um detalhe engraçado... as casas não têm número. Quem quiser suas cartas que vá até o posto do Correio apanhar. São, ao todo, menos de 4.500 habitantes. Se estiver em San Francisco, dê uma passadinha em Carmel, visitando, antes, Monterey, outro lugar do maior charme. Vai gastar apenas um dia e ver muita coisa bonita.

San Francisco, como toda e qualquer cidade, tem seus problemas. Oficialmente apresentou, ano passado, quase 6.300 pessoas vivendo nas ruas, em abrigos ou outras instituições para situações emergenciais. Eu vi muitos. Saí cedo, no sábado, para aproveitar o dia e confesso que fiquei com medo. Onde estava hospedada, havia muitos hotéis, o que atrai aqueles que vêm pedir ajuda aos “estrangeiros”. Parecia o centro do Rio de Janeiro, de manhã bem cedo.

Além dos pedintes, vi muitos veteranos de guerra, em péssimas condições, assunto sobre o qual ainda quero escrever, mais alguns aidéticos, que contam com a misericórdia dos passantes, uns tantos doentes mentais... Isso também acontece por aqui. Nem tudo são flores, embora elas estejam, nesse começo de primavera, escandalosamente bonitas, deixando tudo muito mais colorido.

Pois é, I left my heart in San Francisco... Mas também em Nova York, Paris, Roma, Praga, São Paulo, Quebec, Santiago de Chile, Lagoa Rodrigo de Freitas... Deixamos um pedaço do coração onde fomos felizes, onde a natureza ou a arte do homem nos seduziu, ou a paixão foi muito forte. Entregamos, aos que partem para sempre, outro importante pedaço. Mas ,no final, sempre sobra o suficiente para um novo grande amor, ou quem sabe, inúmeros pequenos amores. O que conta é que, mesmo deixando tanto para trás, ainda somos capazes de abrigar sensações bastante intensas.

O coração será sempre do tamanho da nossa sensibilidade e da capacidade de nos encantarmos, a cada dia, com aquilo que a vida nos oferece. Assim, não se lamente jamais pelos pedacinhos que deixou pelo caminho. Tenho certeza de que tudo valeu a pena.

quinta-feira, 12 de março de 2009

NEM OITO, NEM OITENTA

NEM OITO, NEM OITENTA

Ana Hertz
Março de 2009

Quem já não se viu numa tremenda saia justa, quando alguém se desmancha em elogios a uma determinada pessoa sobre a qual nosso juízo não é lá dos melhores e e insiste em saber sua opinião? E quem ainda não ouviu a pergunta – Como é que a fulaninha ainda não largou aquele marido insuportável? Provavelmente, quem tem essa dúvida também é alvo de comentários parecidos. Quem ama o feio, bonito lhe parece, diz o velho e perfeito ditado. Os americanos e ingleses, usando outras palavras, concordam com a idéia - The beauty is in the eye of the beholder.

Aqui nos Estados Unidos, em fevereiro, comemora-se o President’s Day. A tradição começou com George Washington, o primeiro a governar a nação e que aniversariava nesse mês. Com o tempo, o feriado democratizou-se e são festejados todos os que já passaram pela Casa Branca.

Agora nesse fevereiro de 2009, como fez 200 anos do nascimento de Abraham Lincoln, toda a mídia se mobilizou para falar nele. Aproveitei para dar uma olhada e descobrir mais um pouco sobre o homem que enfrentou uma terrível guerra civil e que foi o primeiro de uma série de presidentes americanos assassinados. Acabei vendo que faz parte daquele grupo que as pessoas amam ou odeiam. Não há meio do caminho. Foi considerado, por muitos, uma das maiores heranças políticas americanas de todos os tempos, um verdadeiro gênio, e até hoje lhe são rendidas homenagens de variados tamanhos. Obama, dias antes de assumir a presidência, fez uma visita ao belíssimo memorial Lincoln, ali mesmo em Washington, dizendo que ia pedir a benção ao ilustre ex-presidente.

Em contrapartida, por outra grande parte da população, foi chamado de incompetente, desonesto, e de caipira quase retardado, em termos de inteligência. Na época da guerra da secessão, qualquer coisa que dissesse era interpretada, pelos jornalistas do Norte, como se tivesse oferecido um ramo de oliveira, símbolo da misericórdia divina, enquanto os periódicos do Sul diziam, sobre as mesmas palavras, que Lincoln havia apontado o braço com uma espada! Fiquei impressionada, pois não imaginava que houvesse essa discórdia sobre o famoso dirigente. Provavelmente, não era nem uma coisa, nem outra.

Sempre a mesma coisa. Cada cabeça, uma sentença. Não são apenas nossos olhos amorosos, benevolentes, ou, por outro lado, impiedosos ao extremo. Julgamos, também, segundo o momento pessoal, conforme andam nossas necessidades emocionais, nossos desejos não atendidos. No amor, por exemplo, grandes paixões, cujos objetos são os seres mais perfeitos do universo, não passam de resposta a uma carência afetiva, falta de companhia... O pior é que gente nem sempre percebe.

Quando estive agora na Califórnia, aproveitei para ver, em San Francisco, o badalado musical Wicked, que recebeu 4 Tonys! Adorei, vale realmente a pena ver. Trata-se da história “não contada” da famosa e odiada Bruxa do Oeste, no Mundo de Oz, com a eterna discussão sobre o Bem e o Mal.

Uma das músicas mais animadas é a do Mágico de Oz, nosso velho conhecido. Ele vem conversar com Elphaba, que vai se tornar a “malvada” Bruxa do Oeste e, com a maior tranqüilidade, explica porque é o “dono” do lugar. Diz que nem planejou estar ali, pois sempre teve consciência de sua mediocridade. O que aconteceu é que ele, agora respeitado e adorado, simplesmente apareceu na hora em que o povo de Oz precisava de alguém em quem acreditar. E que, como os cidadãos começaram a chamá-lo de Mr. Wonderful, ele passou a ser realmente uma” maravilha”.

É claro que a jovem se revolta com isso. Como pode ele mentir para as pessoas, fazendo-se passar por alguma coisa que não é? Mentiras? Para ele, isso não significa nada demais. Explica, então, que veio de um lugar onde a maioria das coisas contadas não representam a verdade, mas mesmo assim quase todo mundo acredita nelas. E que essas “realidades” formam o que se chama de História! A platéia veio abaixo nessa hora... Uma crítica bastante inteligente, apresentada de forma muito divertida.

E sobre o que se diz das pessoas, continua o Mágico de Oz, lembra que, para uns tantos, o sanguinário invasor é, apenas, um bravo cruzado, defensor dos fracos e oprimidos; o rico filantropo, para aqueles que o odeiam, nada mais é do que um ladrão inescrupuloso; e como melhor exemplo, fala no valente libertador que, para a oposição, é um execrável traidor! Enfim, afirma que tudo se resume ao que o rótulo é capaz de convencer!

E é isso mesmo... Tirando uns poucos, está todo mundo ali no meio, nem oito, nem oitenta. Se ouvir falar bem demais de um presidente, dê um desconto... Talvez a empresa de propaganda tenha sido a melhor do mundo. Se ouvir falar mal até não poder mais... pode ser que tenham sido os inimigos que espalharam a versão, e o publicitário contratado não deu conta.

Levando em consideração as palavras do Mágico de Oz, vou sair e procurar logo um bom marqueteiro para falar bem do meu Blog, preparando um bom rótulo para ele. Talvez, assim, eu consiga o Nobel de Literatura... ou, pelo menos, o Prêmio Jabuti.

Para ser bem sincera, sei que nem o Washington Olivetto vai dar conta dessa tarefa. Mesmo sendo ele, no mundo da publicidade, OITENTA, o problema é que eu, na Literatura, sou OITO.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

LOVE IS A MANY SPLENDORED THING

LOVE IS A MANY SPLENDORED THING

Ana Hertz
Fevereiro de 2009.


William Holden e Jennifer Jones. Um amor impossível. Um filme e trilha musical que marcaram época. No Brasil, chamou-se Suplício de uma saudade. Gosto mais do título em inglês, mais romântico. Quem, dos 55 aos 90, não se lembra deles?

Toda geração tem pelo menos uma história que marca, de forma indelével, seus sonhos de amor. As mulheres, incorrigíveis românticas, ficam invariavelmente tocadas por muitos desses conhecidos contos. Romeu e Julieta continuam em primeiríssimo lugar dentre o que há de mais belo na literatura amorosa de todos os tempos.

Não podemos deixar de fora Cinderela, outro romance muito charmoso, que ficou imortalizado no desenho animado de Walt Disney e, mais recentemente, reapareceu com o filme Pretty Woman, que juntou Julia Roberts e Richard Gere. O conhecido ator, fazendo o papel de um empresário rico e solitário, representou o príncipe encantado que salva a mocinha pobre, prostituta, montado em seu belo “cavalo branco”- uma limousine por certo branca e, em vez da espada, um guarda-chuva.

Minha geração se lembra, com saudades, de outros tantos filmes que da mesma forma mexeram com nosso coração. Eu nem sei quantas vezes vi o Candelabro Italiano, com Suzanne Pleshtte, Troy Donahue, Angie Dickinson e Rossano Brazzi. Quase tantas quanto o musical West Side Story, que trazia Romeu e Julieta em versão século XX. Todas as mocinhas de então suspiraram com essas produções de Hollywood.

Na verdade, são umas poucas histórias que vão sendo contadas, recontadas, adaptadas, algumas trazendo interessantes novidades, mas, no fundo, são sempre as mesmas. As formas de contá-las é que ainda não se esgotaram. Portanto, ainda veremos muitas outras versões para dois jovens que se apaixonam e que não conseguem ficar juntos. Todas elas farão com que muita gente derrame um mar de lágrimas no unhappy end.

Felizmente, não há só Romeus e Julietas... Temos Cinderelas, Belas Adormecidas e outras tantas que se dão bem com seus príncipes encantados. E vivem felizes para sempre, nem que seja até a página 20. Agora, temos o tal do High School Musical, com os heróis românticos Troy e Gabriella. Eu já assisti o terceiro da série com minhas netas e um bando de amiguinhas. Elas adoraram!

Ê evidente que nós, mulheres, somos corajosas o suficiente para confessar a emoção quando nos deparamos com histórias de amor, com ou sem final feliz. Os anos passam e continuamos acreditando que o amor existe ou que pode ser encontrado, caso ainda não tenhamos tido a sorte de esbarrar nele. Torcemos quando sabemos de novos romances, encontros, reencontros, reconciliações; enfim, tudo que se refere ao coração nos agrada bastante.

Os homens, ao contrário, costumam torcer o nariz para coisas dessa natureza. Perda de tempo convidá-los para um filminho açucarado. Vão acabar de mau humor, achando tudo um besteirol. Podemos dizer que esse comportamento encaixa-se perfeitamente em quase toda a população masculina. A sorte é que toda e qualquer amiga aceitará, com o maior prazer, ir conosco ver mais uma comédia romântica.

Por tudo isso, é que eu estava apavorada quando um de nossos alunos de Jiu-Jitsu nos pediu que conversássemos com os organizadores do campeonato de MMA marcado para o início de fevereiro. Queria que, no intervalo das lutas, fosse chamado ao palco com a noiva, que não saberia de nada até aquele momento, para que, ao microfone, ele a pedisse em casamento. Uma explicação importante: ela também treina conosco e adora campeonatos. Minha preocupação era de que os homens presentes, que formavam 95% da platéia, achassem aquilo tudo ridículo e se manifestassem vaiando até não poder mais. Aflita com o que poderia rolar, esperei ansiosamente o momento.

Na hora combinada, o apresentador, um brutamontes que mais parecia um armário, após comentar as lutas que haviam rolado até aquele momento, chamou o casal ao palco, sob um pretexto qualquer. Quando chegaram ao meio do ringue, Johnny rapidamente pegou o microfone e, de joelhos, pediu Julie em casamento, declarando seu amor e dizendo que ela era a mulher com que ele queria passar o resto da vida. Abrindo a caixinha de jóia, mostrou-lhe o anel de brilhantes que marcava o compromisso entre eles. Para minha mais agradável surpresa, o público todo aplaudiu de pé o jovem casal, sendo que pude perceber que estavam todos felizes com aquela cena... Aqueles homens que vieram ao evento para ver socos, pontapés, lutadores sangrando e tudo mais não aplaudiram apenas em sinal de educação e gentileza... Ficaram realmente tocados com Johnny e Julie, nosso casal romântico do campeonato de MMA!

E hoje, conversando com minha amiguinha da aula de dança, Molly, viúva de 70 anos, fiquei encantada em saber que, no baile de ontem, o homem com quem dançou e conversou a noite inteira a fez perder o sono. E esse senhor, com seus 90 anos, talvez também tenha ficado acordado. Pena que não estava lá para ver isso! Contou-me, ainda, que ele, no final da festa, pediu-lhe que ligasse para a casa dele no dia seguinte para combinarem um encontro! Ela ainda esta na dúvida se deve ligar. Embora a tenha incentivado ao máximo, não sei se ela vai acatar minhas sugestões. Espero que sim. Quem sabe não se entendem e começam a namorar?

Eu estou achando que o amor, embora caia como uma luva no mundo feminino, sempre explicitamente sonhador, também passeia pelo universo masculino, mesmo que os homens não gostem de confessar. Muita gente acredita que apenas os poetas estão “autorizados” a falar dos amores e de suas dores. Tenho esperança de que isso mude, e que mais homens comecem a demonstrar o que sentem. Meu lado romântico vai torcer muito por isso. Afinal, como dizia Vinicius de Moraes, “...é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho”.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

HA MAIS COISAS ENTRE O CÉU E A TERRA...

HA MAIS COISAS ENTRE O CÉU E A TERRA...
Ana Hertz
Fevereiro de 2009

Resolvi ir, com meu filho, assistir a um evento chamado MMA, uma versão aprimorada e bastante estruturada do nosso antigo vale-tudo. Mixed Martial Arts quer dizer que variadas técnicas são aplicadas nas competições, dentre outras o boxing,o kickboxing, o wrestling Greco-romano, predominando, sem dúvida, o nosso Brazilian Jiu-Jitsu.

Não foi uma decisão qualquer, uma coisa repentina. Desde que vim para os Estados Unidos, no ano passado, estou querendo descobrir o que há por trás deste esporte que, envolve milhões e milhões de dólares, com um sem número de canais de televisão falando disso dia e noite. Acreditem, não é exagero meu; simplesmente, é dia e noite com o mesmo assunto!

Além do mais, eu sabia que iríamos ser testemunhas de um pedido de casamento em pleno ringue, no intervalo das lutas agendadas. Um raro acontecimento. Eram novidades suficientes para me fazerem encarar a pancadaria... Sempre fui curiosa. Einstein dizia que não era talentoso, considerando-se, apenas, apaixonadamente curioso por tudo. Quem sabe chego lá? E sobre esse pedido de casamento, fica para uma outra conversa, pois sempre vale a pena falar de amor.

Como teríamos a festa de noivado dos nossos alunos no Hilton Hotel logo após o evento esportivo, já fui devidamente paramentada, mesmo receando estar vestida de modo por demais formal. Na minha imaginação, iria encontrar todo mundo de camiseta e calça jeans, tipo desarrumadinho. Surpreendi-me. Minha roupa não descombinava em cuidado ou padrão com que o que usaram as demais mulheres... apenas, elas eram mais jovens e se vestiram de acordo com a própria faixa etária; na verdade, todo mundo estava querendo fazer bonito.

Era um ginásio de tamanho médio, com aquele ringue que chamam de “cage” no meio. Pensei logo – Realmente combina com a palavra “jaula”. Essas pessoas se socando até não aguentar mais... E, enquanto não começava a primeira luta, aproveitei para fazer uma social com os alunos da academia de meu filho, que estavam ali para prestigiar e torcer por dois deles, que vinham se preparando para aquele dia havia semanas. Tirei fotos, conversei, perguntei pela família; enfim, tudo do jeito afetivo com que nos relacionamos com os pares.

Um dos nossos estava escalado para a primeira luta da noite. Quando o vi pisar no palco, meu instinto maternal acendeu. Fiquei pensando no meu filho, a cujas lutas nunca tive coragem de assistir; não queria ver o que eventualmente poderia acontecer com ele. Dessa vez, felizmente, ele estava no ringue apenas como treinador. O gongo soou e os lutadores começaram. Fechei os olhos no primeiro soco.

De repente, descobri-me gritando: Go, Greg, go! Stay there, Greg, stay! Terrível constatação. A pacifista, a conciliadora, aquela que, em geral, evita discussões estava aos berros, incentivando Greg a socar o adversário. E foi também assim na luta de Nick, nosso outro aluno. Lá estava eu: That's it, Nick... that's it! A academia de Jiu-Jitsu de meu filho entrou na competição com dois lutadores e os dois saíram com troféu nas mãos. Torci enlouquecidamente pelos dois.

No dia seguinte, só pensava naquilo. Incentivara alguém a socar um outro e ficara feliz quando Greg e Nick, marcados pelos ataques sofridos, conseguiram derrotar os oponentes, que saíram mais machucados ainda. Pensei, pensei e acabei interpretando meu comportamento “feroz” e abominável. Acredito ter sido envolvida pela sensação de pertencimento que nós, humanos, precisamos sentir. Como animais gregários, o fato de fazer parte de um grupo, seja sob qual bandeira ou filosofia for, nos dá mais segurança, nos faz mais inteiros. E como já conheço a maioria dos alunos, sei um pouco de suas dores e de seus amores, senti-me em casa, torcendo pelo membro do“clube”que estava competindo.

É aí que mora o perigo. Quando fazemos parte de um todo, corremos o risco de nos“contaminar”, positiva ou negativamente, e nos descobrimos fazendo coisas do arco da velha. Dizem que o álcool e as drogas liberam forças internas, mas acho que a massa inebria e enlouquece de forma ainda mais impressionante. Comecei a pensar nas lutas dos gladiadores, com o povo gritando e incentivando quem estava na arena, nos torcedores de futebol que perdem o rumo quando seus times vencem ou são derrotados, enfim como o ser humano, imerso na multidão, extrapola a si mesmo. Seria quase perder a própria identidade em favor da alma coletiva. Falando francamente... é bastante assustador!

Eu achava que me conhecia; acabei percebendo que, mesmo já na décima quinta primavera, ainda posso me surpreender. E muito! Dessa água não beberei? Pode ser que sim, pode ser que não. É claro que jamais serei capaz de fazer coisas graves, de transgredir eticamente em qualquer situação, pois é uma questão de caráter, e disso não tenho qualquer receio. Mas estou desconfiada de que outras tantas cositas ainda podem pintar.

Assim, se ouvirem alguém contar que saí pelas estradas do Texas, numa Harley-Davidson potente, com roupa de couro e cabelos ao vento, junto com outros tantos motoqueiros, não duvidem, não. Apurem mais um pouco. Quem sabe pode até ser verdade? Não me conheço o suficiente para afirmar que sim, ou que não. Agora, sei bem que só o tempo e as circunstâncias poderão dizer quem eu realmente serei a cada novo momento da vida. Shakespeare já dizia que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. Esqueceu de avisar que há muito mais ainda nesse imenso universo que existe dentro de cada um de nós. Para o bem ou para o mal.