quarta-feira, 12 de março de 2014

UMA VELHINHA ENCRENQUEIRA
Março de 2014
             Lembram-se daquela figura idosa dos desenhos animados, com cabelos brancos, bem magrinha, ameaçando o mundo com o guarda-chuva na mão?  Falta pouco para eu ficar assim.  Na verdade, os cabelos brancos estão escondidos, o corpinho esbelto, por enquanto, mora em um sonho de consumo, e o guarda-chuva é invisível.  Mas aviso - não levo desaforo para casa.
             As filas para idosos, grávidas e pessoas com deficiência são irritantes.   Na maioria dos lugares, não serve para nada!  Algumas vezes, quando me apresento como velhinha, acabo ficando mais tempo esperando do que os jovens que estão na “vala comum”.  De uns tempos para cá, quando estou muito cansada, pego a senha prioritária e a normal, e apresento a que me chamar primeiro. Nem preciso dizer quem ganha a corrida na maioria das vezes. Claro que, se posso aguardar, fico resmungando, e muito, mas espero chamarem os “prioritários”.
             Um dia desses, fui à loja de uma empresa de telefonia no Shopping Leblon resolver um problema.  Cheguei às 14:45 e recebi o número B 20.  Dois prioritários na minha frente, nada grave. Exatamente às 15:06, decidi pegar uma senha comum, para ver se dava sorte; ganhei a E 09.  Dois na minha frente, como na de velhinhos.   Em apenas 10 minutos, fui chamada para essa E 09.  Quando acabei, às 15.22, ainda não tinham chamado a PRIORIDADE B 20, senha que havia recebido mais de meia hora antes. 
             É óbvio que não fiquei calada.  Chamei o gerente, que foi super educado, devo ressaltar, mas ele não conseguiu explicar o que estava acontecendo.  Os velhinhos chegam, recebem o “tratamento prioritário” e ficam esperando séculos.  Fui até o senhor com a senha B-21, que chegou logo  depois de mim, para conferir o horário dele - 14:47.  Horrorizada, confirmei que ele aguardava havia mais de 35 minutos.  O gerente, quando me viu perto dele, logo se propôs a atendê-lo, para evitar que essa velhinha encrenqueira aqui aprontasse alguma.  Fui discretamente aplaudida por duas mulheres que esperavam o atendimento – adoraram a defesa dos fracos e oprimidos. 
             E no Metrô?  Não deixo passar uma!  Quando o assento prioritário está ocupado por um jovem, peço meu lugar, sem qualquer constrangimento, com a maior educação, mesmo que esse intruso esteja fingindo tirar o sono dos injustos.  E peço lugar para os outros idosos também!
             Sei que representamos uma verdadeira invasão dos bárbaros, já que, em cinquenta anos, enquanto a população brasileira triplicou, nós, maiores de sessenta, praticamente quadruplicamos.  Em 2012, já somávamos doze por cento da população, cerca de vinte e três milhões de velhinhos espalhados por esse Brasil. Estamos, tenho certeza, ocupando cada vez mais espaço nessa terra de Deus. Somos da chamada terceira idade, melhor idade, terceira juventude... ninguém se atreve mais a dizer velhice!
             Foi Platão quem primeiro se mexeu para mudar a visão da sociedade em relação aos idosos, e os romanos os honravam dando-lhes as mais altas posições políticas.  Enfim, pela história da Humanidade, encontramos diferentes costumes sociais e decisões políticas no que tange à velhice, infelizmente nem sempre muito favoráveis.  Outro dia, o Ministro das Finanças do Japão polemizou, afirmando que os idosos nos hospitais deveriam morrer mais rápido para poupar recursos da nação.  Pode?
             Lembro-me de minha mãe contando sobre uma tribo que, ao perceber que o cidadão estava mais baqueado, fazia com que subisse em uma árvore.  Com o idoso lá em cima, balançavam o tronco.  Dá para perceber bem como era a coisa.  Eu acho que iam ter que dar outro jeito comigo...eu me recusaria a subir!
             Vamos falar de coisas boas.  Tivemos muitas mudanças nos últimos cem anos.  Os conceitos de velhice e de invalidez ficaram atrelados por anos a fio, já que os mais velhinhos, sem poder prover o próprio sustento, improdutivos, precisavam ser protegidos tanto quanto os inválidos. Com a sociedade industerial, criaram a aposentadoria.  Com tudo que os velhinhos andam aprontando hoje em dia, com algumas novas políticas públicas, esse preconceito ficou lá para trás. 
             Ganhamos visibilidade social e não somos percebidos apenas por uns poucos. Já que o mundo precisa nos aguentar por um tempo maior, melhor que sejamos mais saudáveis, mais alegres, bem entrosados na sociedade. Deixamos de ser cidadãos incapazes, ociosos, decadentes e dependentes, e passamos a saborear a vida com novos interesses, criando novos laços afetivos e amorosos, dando bastante trabalho a todo mundo.  De certa forma, podemos perceber que muitos adultos já estão criando condições, desde agora, para “habitar” essa nova fase, para fazer parte desse novo grupo social de um jeito bem melhor.  Não ficamos mais na porta da Colombo, mas estamos sassaricando por tudo que é canto.

             Eu até concordo que, com o passar do tempo, de certa forma ficamos mais pacientes com muita coisa... mas, sem dúvida, não é com tudo. Eu, por exemplo, engulo um elefante, mas sou capaz de me engasgar com alguns mosquitos, tipo filas de velhinhos. É nessas horas que grito Shazam, pego o guarda-chuva invisível e me transformo na velhinha mais encrenqueira do planeta, versão idosa da Mary Marvel . Os abusados e os normais que saiam da frente!

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

MAL NA FITA
                                  
             Complicado reconhecer isso, mas acho que, nesses últimos dias, estamos muito mal na fita.  Na novela do Walcyr Carrasco, “Amor à Vida”, as mulheres não se saíram muito bem.  Pilar, Paloma, Aline, Paulinha, Bernarda, Valdirene, Márcia, Linda, Amarilys e Leila são algumas das principais figuras da novela, e com elas já podemos ter ideia do conceito que se extrai do todo.
             A matriarca, vivida pela Suzana Vieira, parecia normal mas, no finalzinho, sabemos que matou uma pessoa.  Aline, a secretária oferecida, conseguiu ser um monstrinho para ninguém botar defeito. Valdirene e Márcia, a primeira, periguete, e a segunda, uma perigosa (uma periguete idosa), eram do barulho..  Se bem que seus pecados eram brincadeira de criança perto do que aprontava Amarilys, louca de carteirinha.  Isso tudo sem falarmos na Leila, personagem igualmente desprezível, que acabou castigada pelo fogo, coisa meio bíblica.
             Poucas se salvaram. Bernarda, uma senhora com valores bem estabelecidos, a menina Paulinha, bem equilibrada, e a mãe, Paloma.  Esta, cá entre nós, embora tenha se mostrado super boa gente, era uma chata de galocha.  Não serviria como padrão, pois seguir o molde tornaria qualquer mulher campeã da falta de graça, de tempero, insossa até não poder mais. O engraçado é que quem ficou mesmo no coração da grande maioria dos espectadores foi o Felix, péssimo caráter, um verdadeiro cretino, que foi redimido pelo autor e, no final, tornou-se uma pessoa “legal”.  
             Na nova trama das 9, já deu para perceber que a tal da Helena, quando jovem, gostava de provocar os pretendentes.  A tia, Juliana, desequilibrada sem tirar nada.  Embora não possa ainda dar muitos palpites sobre a história de Manoel Carlos, já estou imaginando o cenário.  Tem um personagem masculino destemperado, o tal do Laerte, para compensar um pouco os problemas que as mulheres mostram.
             Antes, tivemos a Carminha, de Avenida Brasil, um enorme sucesso, personagem que conseguia ser ainda mais cruel do que o cafajeste do Max, seu eterno amante.  Se não me engano, ela decidiu matá-lo no finalzinho da novela.  Ou seja, pelo que se vê nas telinhas, cuidado com a mulheres.  Podem ser terríveis!
             A História nos traz muitas mulheres com histórias complicadas.  Temos a Salomé que, a pedido da mãe, conseguiu que João Batista fosse decapitado. Catarina de Médici, convenhamos, ficou célebre por vários motivos, mas o massacre de São Bartolmeu talvez seja aquilo que ninguém pode esquecer.  Outra Catarina, a Grande, dominou a Rússia com mão de ferro por mais de 30 anos, e até o Czar Pedro III, seu marido, parece ter sido vítima de suas tenebrosas ações.  Sangue é o que não falta nessas biografias.
             Messalina fez fama, e seu nome serve de “adjetivo” para algumas mulheres sedutoras.  E que tal Bloody Mary?  Maria Tudor não deixou por menos, e a bebida cor de sangue com essa denominação pode ter sido inspirada na rainha que levou a cabo sangrenta perseguição aos protestantes. 
             Para falar das boazinhas dos últimos séculos, na vida real ou na literatura, resolvi conferir, pois poderia ter esquecido algum nome importante.  Deparei-me com várias listas, cujos critérios de seleção me deixaram assombrada.  Muitos misturam alhos com bugalhos, pois no mesmo grupo vamos encontrar Anita Garibaldi, Joana D’ Arc, Maria Antonieta, a de França, Madre Tereza, Brigite Bardot, Frida Khalo e Madame Curie. Até agora, confesso  não ter captado bem o critério adotado.
             Anita Garibaldi, cuja história conhecemos bem, agora em 2012 teve seu nome inscrito no Livro de Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Liberdade e da Democracia Tancredo Neves, em Brasilia.  Embora tenha morrido com apenas 27 anos, foi um exemplo de ser humano. Interessante saber que Ana Neri, a famosa enfermeira, heroína da Guerra do Paraguai, também está no livro. Como somente essas duas mulheres estão lá, vamos torcer para que outras mulheres consigam ser incluídas. 
       Madame Curie, com uma inteligência privilegiada, ganhou duas vezes o Prêmio Nobel, um em Física e outro em Química.  Fico impressionada com esses gênios que aparecem vez  por outra.  O lado ruim da história - pagou caro pela dedicação às pesquisas, pois a longa exposição aos elementos radioativos acarretou-lhe uma leucemia.  Foram duas mulheres fora da curva, sem qualquer dúvida.
             Na ficção, não é muito fácil uma “boazinha” se destacar, mas Jane Austen até conseguiu isso para sua Elinor, em Razão e Sensibilidade.  Penélope, por ter esperado o marido por 20 anos sem ceder ao assédio de muitos, também deixou ótima impressão, pelo menos entre os outros maridos.  Enquanto Machado de Assis deixou Capitu no meio do caminho entre a inocência e a culpa, Anna Karenina também aprontou, e Shakespeare mostrou a famosa Lady Macbeth arrependida do que tinha aprontado, preferindo, assim, dar cabo da própria vida. Muito radical, eu acho.
             Não sou ingênua.  Uma vida que se resuma ao personagem acordar, tomar café, ir para o trabalho, almoçar, voltar para casa mais tarde, ver um pouco de TV e cama, claro que não dá o menor IBOPE.  Esse roteiro não deixa milhões de pessoas grudadas no sofá, comentando com os amigos o que viram na telinha na véspera. Li, no livro “LOUCO PARA SER NORMAL”, de Adam Phillips, que trata da loucura e da sanidade, que não há, aparentemente, nenhuma estatística disponível sobre os chamados “normais”.  O autor, psicanalista badalado, afirma que os sãos não são notícia.   
             Por outro lado, uma moça chamada Letícia, que foi excluída outro dia da casa do Big Brother, ganhou muitos, muitos minutos em um programa de domingo, onde foram discutidos alguns pontos “muito importantes”.  Tinha ficado com 3 homens diferentes ou não durante o tempo em que esteve trancada? É uma pessoa falsa ou foi tudo um mal entendido?  Prefiro fingir que não vi nem ouvi esse quadro.
             Enfim, de certa forma, parece que é possível ficar na História fazendo coisas relevantes para a humanidade, ou então sendo cruel, louca, interesseira.  Mae West foi uma atriz badalada e ficou famosa por dizer: “Quando sou boa, sou boa... Quando sou má, sou melhor ainda”. Uma bobagem, eu sei, mas que ganhou peso quando dita com o charme que a atriz carregava.  E continuou, dando, ainda, outro conselho, polêmico, por certo: “A melhor forma de se comportar é se comportar mal”.  Fecho aspas dizendo que a escolha é sua.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

E NOS APAIXONAMOS TAMBÉM PELO OTÁRIO
Dezembro de 2013
             Grandes surpresas tive esse ano, com assuntos ligados à Argentina.  Em primeiro lugar, foi a paixão que o papa Francisco, portenho, despertou em milhões de brasileiros.  E acabei de descobrir que nossa balança comercial sofreria grandes alterações se precisássemos pagar pelas palavras que “importamos” dos hermanos.
             É claro que pegamos emprestadas palavras de outros tantos idiomas, pois esse fenômeno é natural...dos escravos africanos ficaram, por exemplo, bagunça, babaca, birita, cafuné, maracutaia, urucubaca. 
       Fui atrás de outras heranças e vi que, dos índios, fora a quantidade de palavras que usamos todo dia, como pipoca, pereba e biboca, temos bairros, cidades e dois estados, Sergipe e Paraíba, com nomes absorvidos.  Ipanema, por exemplo, quer dizer rio sem vida, sem sorte.  Já Pavuna, quer dizer lagoa escura.  O que me assusta é saber que os homens do século XX construíram uma usina nuclear em um lugar chamado Itaorna, que quer dizer pedra podre.  Os guaranis, que habitaram a região, tinham mais conhecimento de assuntos sísmicos do que nós.  Descobri isso em um congresso do qual participei na Califórnia, sobre emergências e desastres, e fiquei chocada.  Mais uma assunto que vem para nos deixar envergonhados.
             Do hebraico, temos, por exemplo, aleluia, sábado, amém, fariseu, jubileu e maná.  Quando começa com “al”, dizemos logo que tem origem árabe.  Além dessas, encontramos café, laranja, limão, tambor, safra, garrafa. Do francês, logo me lembro do abajur, do omelete e do menu. Do italiano, vou excluir a pizza, pois tem gente que diz que essa veio do alemão, mas posso incluir cantina, sonata, dueto e carnaval.  Não discuto sobre a origem da palavra, mas que a pizza italiana é maravilhosa, não tenho dúvidas.
             Do inglês, vieram para ficar o coquetel, o lanche, o pulôver, se não quisermos pensar no escanear, deletar, estartar... mas a melhor nem precisa ser traduzida – de hot dog todo mundo entende.  Quanto ao Japão, digo o contrário, pois fomos nós que legamos a eles muitas palavras.  Tempura, que tem a cara de nome japonês, tem origem portuguesa!
             Voltando aos vocábulos que vieram da Argentina, confesso que a maioria, para mim, tinha mesmo é nascido aqui na minha terra, que tem palmeira e onde canta o sabiá.  Li sobre o assunto em uma Veja, na coluna do J.R. Guzzo. O que mais causa espécie é que as palavras das quais nos apropriamos não estão nos livros de Ernesto Sabato, Julio Cortázar ou de Jorge Luiz Borges... vieram da rua, dos vigaristas, proxenetas, criminosos em geral, passaram para as letras do tango e ultrapassaram nossas fronteiras. 
             A lista é enorme, e a gente fica sem saber os motivos que nos levaram a incorporar, com tamanha facilidade e intensidade, aquilo que não criamos e que não tem raízes nessas bandas.  Barra pesada, fajuto, bacana, patota, pirado, bronca, afanar, engrupir, embromar... e vai por aí.  A que melhor se adaptou ao novo clima foi OTÁRIO. O articulista que me inspirou pergunta se a alma brasileira apresenta uma tendência forte para essa linguagem da marginalidade. 
             Guzzo acha que o carioca, por exemplo, ouve como elogio alguém considerá-lo malandro.  O brasileiro, como média, não quer ser otário, e mesmo sendo trapaceado por muitos governantes, por alguns patrões, ainda se considera o esperto. Acredita ele que, dessa massa de crédulos, ingênuos, que se acham os mais malandros do planeta, aproveitam-se os vigaristas e os políticos de péssimo caráter, sempre grande marqueteiros. 
             Fico na dúvida se é por ingenuidade e credulidade que o povo se deixa ludibriar por essa gente.  Quem sabe é a lei de Gerson que faz com que muitos aceitem qualquer oferta e comprem a ilusão daqueles que se acham mais malandros?  Esse pode ser o X da questão pois, querendo levar vantagem em tudo, são trapaceados pelos espertalhões e acabam sendo os verdadeiros otários da história.
             Na verdade, OTÁRIO mesmo é quem não sabe olhar um céu bonito e se emocionar, quem ouviu uma linda canção de amor e não se derreteu, ou não segurou, com firmeza, a mão da pessoa amada quando ela apareceu na sua frente. 

             É por isso que, nesse início de ano, devemos escolher um belo final de tarde para, na praia de Ipanema, seja carnaval ou não, fazer um cafuné no nosso amor, tomando uma birita, que pode ser uma caipirinha de limão, ou uma outra qualquer que esteja no menu, sem esquecer de deletar o que não interessa nesse momento tão especial... na verdade, um programinha super bacana.  E acreditando na teoria que diz que a palavra é a transliteração do ulular como exultação da alegria própria do povo de Israel, vamos gritar, em agradecimento a toda essa herança: Aleluia! Aleluia! Que 2014 nos traga muitas alegrias!

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ESTE SEU OLHAR
Outubro de 2013
         Ela olhava, e nenhum de nós tinha dúvidas do que ela queria.   As mães são assim... olham e, sem palavras, dizem tudo.   Alguém afirmou que existem imagens que valem por mil palavras.  Eu acho que há olhares que valem por duas mil.
         Se pensarmos no olhar, logo nos lembramos de que existe de tudo que é jeito...  conhecem o olhar striptease,  aquele que faz você pensar que esqueceu a roupa em casa?  Pois é...
O olho grande, olho gordo, também conhecido como olhar de seca-pimenteira, temido por meio mundo, tem proteção, segundo o samba de Arlindo Cruz: “Olhar de seca-pimenteira/Não vai me secar/Bate três vezes na madeira/ Pra isolar/Um bom galho de arruda/Sempre ajuda a clarear”.   Tem muito “psi” que considera isso mera desculpa para os fracassos, na certeza de que é sempre  um alívio atribuir o próprio insucesso às energias negativas geradas pelos outros.  De qualquer forma, não custa nada ter sempre um patuá por perto, e colocar um potinho com sal grosso atrás da porta... Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
         Janela indiscreta, de Hitchcock, o clássico olhar mais que curioso de James Stewart, continua na memória dos mais antigos, mesmo que ficar de binóculos olhando a vizinhança seja um tremendo mau exemplo.  Se a moda pega, pode  até agradar certas pessoas ... aquela moça bonita que gosta de se exibir na janela vai caprichar nas caras, bocas e poses.  Por outro lado, a velhinha pode desfilar à vontade de roupa de baixo que ninguém vai perder tempo com ela.   A gente espertamente escolhe o alvo.
         Olhar scanner... esse é novo.  Dizem que é aquele olhar das mulheres olhando para outras mulheres, examinando a griffe do sapato, da bolsa, dos brincos, do acompanhante... enfim tem gosto para tudo.
         Pensei no olhar endoscopia, em que a pessoa só tem olhos pra dentro, para o próprio umbigo.  Olhar 007 é aquele que mostra que todo mundo é suspeito.  Mas se esse olhar é do Sean Connery, provavelmente tem umas outras tantas significações.  Sei que milhões de mulheres adorariam um olhar desse quilate.
         Tenho aflição com o olhar-telinha.  Só enxerga o Ipad, o Iphone, o Galaxy... na mesa do jantar, tem muita gente que não vê o outro... Acho que não somos mais olhados, somos apena “lidos”.
         O olhar ultrapassa os limites físicos do sentido da visão.  E Eduardo Galeano, mestre das palavras, tem um belíssimo conto que fala do momento em que um menino vê o mar pela primeira vez.  Mudo diante da beleza e da imensidão que se estendem à frente, apenas consegue pedir ao pai: - Me ajuda a olhar!“.  Verdade, olhar a vida com as pessoas que a gente ama faz toda a diferença...
         Alguém me disse  que o bom humor espalha mais felicidade que todas as riquezas do mundo, e que isso vem do hábito de olhar para as coisas com esperança, na certeza de que virá sempre o melhor, não o pior.
       Otto Lara Rezende, entretanto, fez a ressalva de que o hábito suja o olhar. “De tanto ver, a gente banaliza o olhar”.   Tem vezes que a gente realmente corre o risco de perder a capacidade de ver a beleza das coisas, dos lugares, das pessoas, da alma dessas pessoas que estão em nossa vida.  E Carlos Drummond de Andrade, nosso sábio poeta, foi bem claro quando enviou aos amigos votos de um Feliz Olhar Novo!  É isso!  A receita perfeita não apenas para o ano novo, mas para o ano todo. 
         Como em outras ocasiões já ousei discordar de grandes pensadores, não vou perder a oportunidade para dizer que nem sempre Otto tinha razão.  Mesmo com a polícia ultrapassando limites, governantes metendo os pés pelas mãos, corrupção em todo canto, meu olhar não se banalizou. Fico profundamente indignada com isso tudo, já que o monstro da indiferença não me pegou!
         Nesses tempos de desânimo cívico, vamos acalmar a alma lembrando daquele olhar que Vinicius de Moraes tão poeticamente imortalizou em versos - “Quando a luz dos olhos meus/ E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar/Ai que bom, que é isso, meu Deus?/ Que frio que me dá o encontro desse olhar!” 

E Tom Jobim,  que sabia como poucos o que a alma da gente quer dizer e ouvir, cantou aos quatro ventos que “Este seu olhar, quando encontra o meu, fala de umas coisas que eu não posso acreditar”.   O melhor de tudo é que eu ainda acredito!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

COISA DE HOMEM OU DE MULHER?

             - Pedrinho, não chore!  Isso é coisa de mulher!
             Tive que me controlar para não dizer poucas e boas.  Onde já se viu, em pleno século XXI, o pobre do menino ter que ouvir isso? As mudanças do último século não foram boas só para nós, mulheres... O que transforma aqui com certeza interfere ali, e acredito que os homens também se beneficiaram com os novos costumes. 
             O que logo me vem à cabeça é que a vida deles, de certa forma, ficou mais leve, já que não precisam “carregar o piano” sozinhos - estamos ao lado deles, às vezes mais substancialmente, outras  vezes menos, mas lutando junto. A carga era pesada e muita injusta! E eles já estão assumindo o fogão, trocando fraldas, dando uma boa folguinha para a gente.  Ou seja, os papéis cabem nos dois gêneros.
             Só que muita coisa ainda é reconhecido, de longe, como sendo um comportamento feminino ou masculino. Discutir a relação, sem dúvida, é cor de rosa. Difícil encontrar um homem que goste de ficar falando, analisando, questionando.  Querem distância dessa conversa!  Se você insistir, vai dançar, principalmente se pensar em perturbá-lo no horário do futebol ou da saída para o chopp com amigos.
             Falando em chopp com a turma, para falar de futebol e mulheres, isso ainda é coisa azul?  De jeito nenhum!  Não saímos apenas para chazinhos beneficentes na Colombo.  Temos clubes da Luluzinha em todas as esquinas, tomando caipirinha ou chopp, só que provavelmente os dois assuntos são  política e homem!  Embora ainda encontremos conversa cri-cri, muita coisa mudou.
             E as gentilezas associadas, durante séculos, ao masculino?  Mandar flores também se incorporou ao lado de cá.  E por que não? Muitos homens adoram flores perfumadas deixadas em suas portas. Podemos plantar um jardim, quem sabe juntos.
             Pagar a conta é outra história. Isso é sagrado para os mais antigos, aqueles que ainda gostam de abrir a porta, esperar a mulher sentar... faz parte da cultura em que fomos criados.  Os mais jovens aceitam dividir, pois a crise chegou, e tudo ficou bem difícil.  Melhor rachar as despesas no Lagoon do que pagar tudo sozinho no McDonald’s.
             Outra coisa complicada são as duplas mensagens que nós, mulheres, teimamos em mandar. Isso os deixa simplesmente loucos.   Eles não conseguem entender que nem sempre o “não” é “não”, o “sim”, uma anuência, e que um “talvez”  oferece um milhão de alternativas. Tampouco acreditam quando afirmamos que está tudo bem; percebem logo que tem algo errado mas, pobrezinhos, não podem imaginar o que nos aborreceu.  A gente fica torcendo para que adivinhem, mas nem mesmo um esforço mental hercúleo os ajuda a descobrir.  Dois mundos opostos.
             Um amigo me contou que a namorada é muito inteligente, culta, equilibrada...até o momento que implica por ele ter esquecido a data em que deveriam comemorar o primeiro beijo, por exemplo.  Para ele, não lembrar esse detalhe não significa que não dê importância à relação. Passa, então, a considerá-la meio chata, um pouco boba... Que tal, então, a gente se desligar um pouco do calendário e valorizar outras coisas bonitinhas que eles fazem? Por outro lado, seria bom eles anotarem na agenda as datas, pelo menos as principais.
             Os homens, por seu turno, deveriam aceitar que, quando estamos inseguras em relação ao que vamos vestir, qualquer opinião que possam dar não vai valer de nada.  Perguntamos por perguntar, já que não vamos mesmo seguir o conselho!  E ponto final!  Usaremos aquele vestido que a gente pensou em primeiro lugar, e que está no fundo da pilha que montamos em cima da cama!  Fiquem certos – vamos continuar perguntando.
             Falando nisso, vamos combinar que, quando perguntamos a eles se estamos bem com determinada roupa, deveriam disfarçar e fingir que não estão pensando que estaríamos melhor despidas... que digam alguma coisa sensata!  Em contrapartida, prometeremos que não vamos discutir a relação bem no horário do futebol.  Uma troca muito justa!
             O que ainda está difícil é saber equilibrar.  Sabemos que os homens modernos não querem ter um apêndice, uma planta sugadora como parceira da vida. Preferem as que se viram sozinhas, as que bancam os próprios luxos...mas isso, pelo que tenho visto, vai até certo ponto.  Não podemos ser autossuficientes demais, não é?  Isso dá insegurança?  Se vocês nos contarem onde o sapato aperta, de repente a gente se equilibra...
             Para o bem de todos e felicidade geral da nação, talvez seja mais uma boa ideia que nós, mulheres, comecemos a entender que os homens são bons de matemática, onde 2 mais 2 são 4, e que essa nossa mania de achar que a tal soma pode chegar a 4 e meio, três e meio ou oitenta e dois pode azedar as relações.  Sem abrir mão da intuição, um grande instrumento que possuímos, precisamos usá-la com muito critério para não exagerar nas interpretações do que eles dizem ou fazem.  A gente entra por esse campo minado e acaba se dando mal!
             Verdade seja dita – agora podemos exigir nossos direitos, brigar por eles, e tudo o mais.  Em compensação, os meninos como o Pedrinho lá do início dessa conversa, e todos os homens hoje em dia podem chorar de alegria, de tristeza, de dor ou de amor, sem qualquer constrangimento. Quem discorda que tudo isso já valeu a pena? 
             Para melhorar as coisas, quem sabe a gente, então, negocia mais um pouco?  Vamos lá –
1 – Homens, quando começarmos a  reclamar, não tentem arranjar uma solução – simplesmente acordamos com vontade de reclamar e ponto final.  Vai passar, como disse o Chico Buarque.  Basta ter um pouco de paciência.
2 – Homens, liberem alguns elogios.  Precisamos ouvir coisas estimulantes em relação ao nosso visual.  Não custa nada um esforço extra.
3 – Mulheres, não banquem Sherlock Holmes... não revistem carteiras, gavetas, últimas ligações nos celulares... Ou confiamos, ou não.
4 – Mulheres, os amigos de nossos homens são sagrados.  Não se enturmar e ficar com cara de tédio quando eles estão juntos é um certeiro tiro no pé.  Muitos deles são ótimas pessoas, de verdade.
             Bem, duas boas idéias para eles e duas para nós.  Sempre o equilíbrio para deixar a vida de todos muito melhor, com os homens vestindo, tranquilamente, uma camisa cor de rosa, e nós arrasando em uma festa com elegantíssimo smoking preto.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PITACOS E O CALCANHAR DE AQUILES

             Juro que tenho me controlado ao máximo.  Dar uma opinião quando ninguém perguntou nada é querer ser vista como inconveniente.   Por isso, estou sempre mordendo a língua, acatando o inteligente ditado popular - “Peru de fora não se manifesta”.
             E lá fui eu tentar achar a origem da expressão “dar um pitaco”.  Na pesquisa sobre Pitaco, de Mitilene (principal cidade da ilha de Lesbos), considerado um dos sete sábios da antiguidade grega, não consegui descobrir qualquer ligação. Não resisti e, curiosa, quase como Pandora, a bisbilhoteira mais famosa do mundo, saí em busca de informações sobre os tais sábios. 
             Cleóbulo, mesmo tendo ficado conhecido por afirmar que “O equilíbrio é a melhor coisa”, foi um senhor tirano, em Rhodes. Sabemos bem o que é isso, pois todos escorregamos no “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Solon, de Atenas, também filosofava sobre a moderação, sobre o equilíbrio, aconselhando-nos a agir com todo cuidado.  Ele, porém, compensando o horror vivido durante a era Cleóbulo, foi um dos legisladores a estabelecer as regras e reformas que moldaram a democracia grega, honrando o que pregava.
             Quilon, mentor da militarização da sociedade espartana, ponderava – “Nunca desejes o impossível”.  Ouso discordar - se não sonharmos bem alto, não saímos do chão.  Há que se passear pelo mundo do impossível para que possamos chegar ao possível !  Entretanto, ele era um sábio, e eu, mera palpiteira, pitaqueira...
              Bias de Priene era um deprimido, certo de que “A maioria dos homens é ruim”.  Discordo dessa colocação, pois se fosse, a vida no planeta estaria mais comprometida ainda do que já está!  Calculo que maus, mesmo, são uns cinco por cento apenas, mas são os que fazem um estrago daqueles.   Bons de verdade, uns vinte.  Os outros setenta e cinco por cento podem ser manipulados, para o bem ou para o mal.  Isso gera uma bela discussão, principalmente em cima da obra de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, discussão essa que não encontrará lugar na pauta de minhas croniquetas.
              Sobre Periandro, li que apesar de ser mais um tirano da História, conhecido pela extrema crueldade de seus atos, trouxe um grande desenvolvimento a Corinto, transformando a cidade em importante centro cultural. Nem contarei detalhes sobre ele, pois poderia manchar de vermelho o papel – no frigir dos ovos, ele estava mais para louco desequilibrado do que para sábio.   Do que falou, pincei “Um rei não pode ter guarda mais fiel do que o afeto dos súditos”.  Outro caso de “Faça o que eu digo, mas não faça o que faço.”
              Tales de Mileto, velho conhecido de quem gosta de matemática e astronomia, alertou sobre o eclipse do ano de 528 AC, quando nenhum outro astrônomo foi capaz de prever. E pensar que, vinte e quatro séculos antes de Darwin, apresentou a teoria de que a substância primordial da Terra era a água, e que dela tinha partido a evolução... Era um sábio, tenho certeza.  Fiquei fã.
             Na verdade, meu primeiro interesse recaiu sobre Pitaco em razão de meu mau hábito pitaqueiro.  Dizem que foi excelente governante por 10 anos, ao contrário de velhos conhecidos nossos, que se reelegem e não fazem nada.  Reduzindo o poder da nobreza, conseguiu o apoio das classes populares, realmente beneficiadas por suas ações públicas, e esse exemplo deveria ser seguido por uns e outros.  Dizia, sempre: “Saiba escolher bem quais oportunidades aproveitar”.  Acho que aproveitou todas... O problema é que, nos relatos que encontrei, nada o denunciou como um palpiteiro metido.
             Aproveitei para passear um pouco pela Mitologia Greco-Romana.  Fascinante.  Olhando bem de perto, os personagens não diferem muito daqueles que encontramos no mundo real, e as histórias  são, quase todas, assustadoras.  Em vez de final feliz, percebe-se que quase nada dá certo, com resultados catastróficos; para diminuir os prejuízos, tinham que fazer acordos complicados com Zeus, na Grécia, e com Júpiter, em Roma. E os deuses se mostravam seres absolutamente raivosos, inseguros, invejosos, vingativos... Achei divertida a exclamação de Zeus, ao constatar que Hera, sua mulher, não lhe atenderia o pedido: - “Mulheres! Cada vez mais intratáveis”.  Ou seja, isso vem de longe.
             A melhor história me pareceu a de Eros e Psiquê que, depois de marchas e contramarchas, conseguiram um final feliz, juntos para sempre como em Hollywood. Temos, também, Teseu, salvo por Ariadne do labirinto, historinha que terminou bem.   O engraçado é que tem sempre mulher no meio das confusões.   Por outro lado, só tem mulher porque também tem homem.  Será que juntá-los é o problema do mundo dos deuses e dos homens? Esta é a pergunta que não quer calar há mais de 25 séculos!
              Surpreendi-me, outro dia, com a descoberta de que ficção e o teatro apresentam uma função purificadora, uma verdadeira catarse. Como muito bem explica Ângela Maria Dias, em sua obra A Forma da Emoção, Nelson Rodrigues e o Melodrama -  “O mal é encenado no palco, com a finalidade de salvar a platéia, realizando-se o mal em cena para que a platéia não o realize fora dela.” Cronos come os filhos, Zeus derrota o pai, Perseu jogado ao mar pelo avô...

              Quanto aos meus pitacos, já não os dou mais com frequência, sinceramente. Não por faltar vontade, devo esclarecer, mas é que somente acertei algumas vezes – claro que eram bons palpites,só que os dei fora de hora... outros pitacos eram equivocados, mas dados em “horas certas”.  Estou desconfiada que essa história de dar pitaco é meu calcanhar de Aquiles...

terça-feira, 23 de julho de 2013

E. FINALMENTE, OS BRASILEIROS SE APAIXONARAM POR UM ARGENTINO

         A implicância entre os dois povos não é de hoje. Desde quando? Passa apenas pelo futebol?  Seria Diego Maradona o mais significativo símbolo da conhecida rejeição?
       Histórias de dificuldades entre nações são conhecidas através dos tempos.  Lembro-me de assistir, nos anos oitenta, no canal oficial da França, Antenne 2, agora o France 2, programas humorísticos que acabavam com a dignidade da família real inglesa. Eu não conseguia entender como as relações diplomáticas entre os dois países não azedavam ainda mais. Não se bicam desde a Guerra dos Cem anos, aquela guerra que durou 116 anos e que teve Joana D’Arc como importante símbolo.  O príncipe Charles, é claro, era o alvo preferido das piadas.  Cá entre nós, ele foi, é e será sempre um prato cheio para referências jocosas.
           No mundo, são conhecidas algumas implicâncias viscerais, a maioria por razões históricas.  O povo chileno não gosta dos argentinos; na Venezuela, ficam zoando os colombianos, e, de vez em quando, uruguaios e argentinos também se estranham. Do outro lado do mundo, chineses e japoneses não se entendem há tempos, e quem viu o filme ”O Último Imperador” encontrou alguns bons motivos.  Isso, sem falar em países que estão em guerras que não acabam nunca.
            Tentei descobrir algo mais profundo e que realmente justificasse essa dificuldade entre brasileiros e argentinos, mas só cheguei às explicações futebolísticas, que acabei aceitando sem questionar.
           Encontrei um cuidadoso trabalho de dois professores da UERJ, Ronaldo Helal e Hugo Lovisolo, que estudaram a cobertura jornalística esportiva em jornais argentinos e brasileiros desde 1970.  O foco da pesquisa foi a imagem construída por cada um dos países em relação ao outro. Para minha enorme surpresa, o relatório é bastante interessante.
            Resumo da ópera – o tratamento entre os órgãos de imprensa dos dois países foi se mantendo em patamares fraternos até o início dos anos 90, com apenas algumas eventuais e leves cutucadas.   Mesmo com o sucesso de Maradona e o baixo rendimento do futebol brasileiro nos anos 80, a imprensa argentina, naquele período, ainda falava de nossos jogadores com muito respeito.  Via-se “Brasil es siempre Brasil” nas manchetes, e a eliminação da seleção brasileira nas copas de 1978 e 1986 foi sinceramente lamentada pelos jornalistas argentinos.
             O problema começou quando algumas charges mexendo com Maradona apareceram em nossos jornais.   Segundo os professores, foi o primeiro passo.  Em 1998, a história esteve tranquila até os argentinos saberem que os torcedores brasileiros haviam festejado os gols da Holanda contra a seleção “hermana”. Foi, então, que parte da imprensa especializada argentina passou definitivamente a hostilizar nosso futebol.
             Do lado de cá, desde 1990 que alguns de nossos jornalistas cutucam a onça com vara curta, suavemente naquele início.  Em 2002, a coisa ficou ostensiva, de ambas as partes.  Porém, os professores ressaltaram que nossos comentários eram mais ácidos.  Uma pena.
             Como nada tem um só lado, vamos sempre passear na Argentina, ficando os brasileiros em primeiro lugar no número de visitantes.  Depois de nós, estão os chilenos, rolando, sobre eles, uma piada ótima - eles adoram o tango por uma simples razão... em cada uma das canções morre um argentino! Realmente, Buenos Aires é destino de quase um milhão de brasileiros por ano.  E chegam por aqui cerca de um milhão e trezentos argentinos.  Um senhor intercâmbio, sem qualquer implicância de parte à parte. 
             Volto ao Papa Francisco.  Chegou há menos de 24 horas ao Rio e já conquistou gregos e troianos. Não são apenas os católicos que estão encantados; na verdade, não tem apenas o carisma institucional, que vem com o cargo que ocupa, mas carrega um intenso carisma pessoal.  Seu gestual é sedutor, e vemos alguém com invejável poder de comunicação, mesmo quando apenas sorri.  Na hora daquele tumulto em razão do vergonhoso engarrafamento, ele não se retraiu, não mostrou preocupação, nem fechou a janela para “se proteger”.  Como dizem, está “dentro”.  E se nos lembrarmos daquele que renunciou, a mudança é incrível.             
             Quem é esse Francisco?  Não me interessei pelas biografias lançadas, por considerar um tanto prematuro, já que estarão falando de Jorge Mario Bergoglio, enquanto o Papa Francisco ainda está se construindo.  Hoje,entretanto, reconsiderei. Talvez seja interessante descobrir que bagagem traz, qual sua estrutura, sua espinha dorsal.  E penso em ler “Sobre o Céu e a Terra”, que traz diálogos travados entre ele, ainda arcebispo de Buenos Aires, e o rabino Abraham Skorka.  Dois intelectuais que trazem o melhor de suas religiões, que falam do mesmo Deus... 
             Deposito esperança nele, ao perceber que tem o pé no chão, e chamo de chão não apenas o católico apostólico romano.  Parece-me que olha em volta sem excluir, o que me anima bastante.  E ando meio desligada, tratando de meus assuntos espirituais diretamente com os Superiores.  Os intermediários não me animam nem um pouco.
             A partir dessas primeiras impressões e do fato de que especialistas católicos acreditam que ele vai estreitar os laços com outras religiões, espero que venha fazer alguma diferença nesse mundo onde, até agora, os diversos credos somente serviram para afastar as pessoas. 
             Saramago, ateu convicto e, sem dúvida, muito polêmico, sugeriu algo brilhante – enquanto não conseguirmos seguir AMAI-VOS, UNS AOS OUTROS, as religiões deveriam pregar – RESPEITAI-VOS, UNS AOS OUTROS.
             Gosto tanto dessa ideia ecumênica que, em casa, há muitos símbolos católicos, alguns judaicos, dois do Hinduísmo, isso sem esquecer de Iansã, representada por Santa Bárbara. Espero que a convivência pacífica com o que há de bom em cada crença me faça uma pessoa melhor.  
        Se o papa nasceu argentino, não parece fazer a menor diferença...milhões de brasileiros estão completamente apaixonados por ele!  E eu, ainda sem saber quando essa rivalidade realmente começou, trago a complexa interpretação do Professor de Sociologia Pablo Alabarces, da Universidade de Buenos Aires, sobre a questão – “Os brasileiros amam odiar os argentinos, e os argentinos odeiam amar os brasileiros.” 

             Prefiro pensar em uma reinterpretação dessa história – agora, muitos brasileiros amam estar com esse argentino.